Medicina de emergência: Emergências obstétricas

 

Por: Eduardo Vieira da Motta, Saionara Maria Nunes Nascimento, Júlio César Garcia de Alencar

Pontos importantes

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Introdução

O médico emergencista deve estar preparado para o atendimento de gestantes, seja no que diz respeito a condições específicas relacionadas a gestação, seja quanto a outros agravos que, em se tratando de mulheres grávidas, possuem particularidades no seu manejo.

Condições relacionadas à gestação que comumente levam pacientes a buscar o departamento de emergência (DE) são sintomas gastrointestinais, notadamente náusea, e sintomas urinários. Eles requerem abordagem sintomática e tratamento direcionados, e são abordados de forma detalhada nos capítulos correspondentes. Toda paciente gestante deve ser avaliada de forma integral e deve-se sempre ter um leque de diagnósticos diferenciais, evitando viés de ancoragem na condição de gestante, o que pode levar à perda de diagnósticos importantes, como colecistite e apendicite.

Neste capítulo, trataremos de condições específicas da gestação que requerem o domínio de habilidades básicas e intervenções imediatas para salvamento e garantia de segurança da paciente e do feto.

O médico emergencista deve ter em mente que, sempre que possível nestas situações, a avaliação do médico obstetra deve ser priorizada. Entretanto, em se tratando de atendimento em área remota e/ou unidade pré-hospitalar móvel ou fixa, a primeira abordagem deve ser feita de forma qualificada com garantia posterior de transporte seguro a uma unidade especializada.

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Avaliação inicial

A abordagem inicial da paciente gestante com sinais de gravidade deve respeitar a sequência de abordagem inicial do paciente grave descrita no Capítulo 1 deste livro. É importante lembrar que a melhor abordagem materna garante a melhor abordagem ao feto. A seguir estão descritas algumas peculiaridades da anamnese e do exame físico na paciente gestante que devem ser pesquisadas.

Queixa principal e história patológica atual

A dor em gestante apresenta diferentes perspectivas: pode representar um agravo independente da gravidez, como dor musculoesquelética; pode representar evento secundário ou decorrente da gravidez, como dor lombar ou cefaleia; pode representar o trabalho de parto; ou pode ainda se relacionar a complicação específica da gravidez, como descolamento de placenta. A amplitude de possibilidades diagnósticas com diferentes implicações prognósticas faz com que a caracterização da queixa de dor deva ser bem detalhada. Localização, associada ou não ao abdome ou ao útero, característica e intensidade, duração e repetição, fatores de melhora ou piora, associação com contração uterina, associação com sangramento ou perda de líquido são informações importantes.

O trabalho de parto se caracteriza pela dor abdominal e pélvica, em cólicas, associada a contração uterina, com duração próxima a 1 minuto e intervalos de 10 minutos e intensidade progressiva. Quando a dor for associada a contração uterina intensa, aguda, sem melhora ou intervalo pode ser decorrente de complicação obstétrica, como descolamento prematuro de placenta.

O sangramento genital deve sempre ser investigado. Sangramentos agudos e vivos são frequentemente associados a condições adversas; mas podem ser normais quando em pequena quantidade, escuros e misturados a muco cervical.

A rotura da bolsa amniótica desencadeia perda de líquido em grande volume. Nas gestações a termo, o líquido apresenta coloração esbranquiçada; líquido esverdeado (mecônio) ou sanguinolento indica complicações fetais.

Antecedentes pessoais e obstétricos

Incluem o tempo de gravidez, considerando a data da última menstruação (DUM) ou exame ultrassonográfico do primeiro trimestre. Em pacientes que estejam realizando pré-natal, a leitura do cartão de acompanhamento permite identificar medicações em uso, evolução ponderal e de níveis pressóricos, além do próprio desenvolvimento fetal. Anotações de exames laboratoriais e ultrassonográficos também devem estar registradas.

Em pacientes sem pré-natal, caracteriza-se o tempo de gravidez pelo tempo decorrido desde a data da última menstruação (número de dias desde a DUM até a data presente dividido pelo numeral 7 provê o tempo em semanas). A altura uterina também se correlaciona com o tempo de gravidez, sendo que a sua medida em centímetros se correlaciona com as semanas de gestação. A palpação do fundo uterino pouco acima da sínfise púbica indica gestação de aproximadamente 12 semanas; entre a sínfise e a cicatriz umbilical, de 16 semanas; na cicatriz umbilical, de 20 semanas; a partir de então, a medida em centímetros se correlaciona com o tempo de gestação em semanas.

Na eventualidade de a gestação ocorrer em adolescente ou paciente em que a informação da gestação não é de domínio da família, é importante proporcionar condições de confidencialidade para obtenção dos dados clínicos.

Os antecedentes obstétricos envolvem condições da gestação atual e complicações e eventos adversos em gestações prévias, assim como tipos de partos e intercorrências puerperais.

Os antecedentes pessoais incluem doenças prévias ou atuais, uso de medicamentos ou drogas (lícitas ou ilícitas). Especial atenção para condições que frequentemente interferem na evolução da gravidez, como hipertensão arterial, diabetes, distúrbios de coagulação e doença renal.

Exame físico

Avaliam-se as condições gerais da gestante, preferencialmente em decúbito lateral esquerdo para evitar a compressão da veia cava pelo útero gravídico. Durante o terceiro trimestre, a posição supina na gestante faz com que o útero gravídico se apoie sobre a veia cava, obstruindo o fluxo em cerca de 25-30% e podendo determinar hipotensão.

São avaliados frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial e enchimento capilar periférico. As modificações fisiológicas da gestação incluem discreto aumento da frequência cardíaca (aumento de 15 a 20 batimentos por minuto no terceiro trimestre) e redução dos níveis pressóricos (cerca de 10 a 15 mmHg) durante o segundo trimestre com retorno aos níveis habituais no terceiro trimestre.

O volume sanguíneo aumenta progressivamente durante a gravidez, de maneira que durante o terceiro trimestre a gestante pode tolerar perdas sanguíneas de até 30% da volemia com baixa repercussão da pressão sistólica. Deste modo, deve-se estar atento a outros sinais de choque para que seja realizado diagnóstico precoce. O uso do Shock Index (FC/PAS) pode ser utilizado neste contexto, com valores > 0,9 apresentando alta sensibilidade para choque, e valores > 1,7 apresentando elevada especificidade para necessidade de suporte transfusional maciço, especialmente no contexto de hemorragia pós-parto. Os mecanismos compensatórios da gestante para preservar a circulação fetal são muito eficientes; no entanto, quando a hipotensão é grave, o comprometimento fetal é inevitável.

É importante avaliar o tônus uterino, a presença de contrações, sua frequência e intensidade, perceber a movimentação fetal e, se possível, auscultar o batimento cardíaco fetal.

No atendimento extra-hospitalar, evita-se a realização de toque vaginal, bastando a observação dos genitais externos e a presença de saída de líquidos ou sangue. Observação de partes fetais demanda melhor avaliação, especialmente pela possibilidade de prolapso de cordão ou eminência do parto.

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Sangramentos gestacionais

Os sangramentos gestacionais são genericamente divididos em sangramentos da primeira e da segunda metade da gestação, respeitando as principais etiologias que ocorrem em cada um desses períodos.

Sangramentos da primeira metade da gestação

Aproximadamente 20% das mulheres sabidamente gestantes apresentam sangramento vaginal até a 20ª semana de gestação; entre elas, 50% evoluem com abortamento, que é a principal causa de sangramento no primeiro trimestre.

Dentre as causas de sangramento gestacional com < 20 semanas, a gestação ectópica, devido à sua elevada gravidade com risco de evolução catastrófica, deve ser sempre excluída. É uma etiologia pouco comum, correspondendo a apenas 2% dos casos, mas com até 10-16% de incidência em mulheres que buscam o DE com queixa de sangramento e dor abdominal.

A maioria das pacientes com sangramento da primeira metade da gestação não apresenta repercussões hemodinâmicas importantes, com apenas 1% requerendo transfusão de hemocomponentes. No entanto, tipagem sanguínea está indicada para toda paciente gestante com sangramento vaginal no DE. Pacientes com Rh negativo devem receber imunoglobulina anti-Rh (RhoGAM) em até 72 horas para a prevenção de complicações em gestações futuras. Uma dose de 50 mcg por via intramuscular é usada no primeiro trimestre e de 300 mcg se o sangramento ocorrer após o primeiro trimestre.

Abortamento

Aborto é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como interrupção da gestação antes de 20 semanas ou com concepto pesando menos de 500 gramas. Aproximadamente 50% dos abortos espontâneos ocorrem até a 8ª semana de gestação e são secundários, principalmente, a anomalias cromossômicas.

Clinicamente podemos classificar o aborto em ameaça de aborto, aborto inevitável ou em curso, aborto incompleto, aborto retido, aborto séptico e aborto completo. A classificação do aborto depende de uma avaliação ultrassonográfica, caracterização do óstio interno da cérvice uterina e confirmação da eliminação de tecidos fetais (Tabela 1). Estabelecer o diagnóstico do tipo de abortamento no DE pode ser difícil, por vezes requerendo exames ultrassonográficos e dosagens de β-HCG seriados.

Tabela 1 Tipos de abortamento espontâneo

Pacientes com ameaça de aborto devem ser devidamente orientadas sobre o risco de evolução para aborto. Nenhum tratamento mostrou-se eficaz para redução deste risco e sabe-se que atividades cotidianas moderadas não afetam a gravidez. A menos que outras condições determinem sua permanência no DE, devem receber alta com retorno precoce ao obstetra.

Na presença de abortamento incompleto e retido, o manejo pode ser medicamentoso (misoprostol) ou cirúrgico (curetagem). Essa definição deve ser feita pelo obstetra em conjunto com a paciente.

Os abortos sépticos requerem coleta de hemocultura e cultura de tecido endometrial, além de introdução precoce de antibioticoterapia de largo espectro com cobertura para clamídia, gonococo, estreptococo, bacilos Gram-negativos e anaeróbios. Pode-se utilizar associação de cefalosporina de 2ª geração (cefoxitina 2 g IV 6/6 h) + doxiciclina 100 mg VO 12/12 h ou associação de clindamicina 900 mg IV 8/8 h + gentamicina 3-5 mg/kg IV diária por 10-14 dias. A avaliação obstétrica será importante para definir o momento ideal de curetagem uterina.

Pacientes com suspeita de abortamento completo que chegam ao DE levando o conteúdo eliminado devem ter este material enviado para estudo histopatológico, a menos que as partes fetais sejam óbvias. Devem ter garantido encaminhamento para reavaliação em até 2 semanas, uma vez que podem apresentar tecido retido, bem como pode se tratar de uma gestação ectópica que não foi identificada.

Gestação ectópica

Gestação ectópica é a implantação e o desenvolvimento ovular em local distinto da cavidade intrauterina. Os locais mais comuns de implantação ectópica são as tubas uterinas (90% dos casos), ovários e cérvix uterino. Deve-se suspeitar de gestação ectópica em toda mulher em idade fértil com atraso menstrual ou elevação de β-HCG associados a sangramento vaginal ou dor abdominal. O médico emergencista deve estar especialmente atento ao risco de gravidez ectópica rota que pode levar a paciente a choque hipovolêmico e óbito em curto espaço de tempo.

A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) sugere que seja realizada uma abordagem com dosagem seriada de β-HCG, e o diagnóstico seja definido a partir da sua variação. Existe um valor de β-HCG considerado discriminatório, que é aquele a partir do qual espera-se que uma gravidez intrauterina com desenvolvimento normal seja visualizada na ultrassonografia (USG). O valor adotado pela Febrasgo é > 2.000 mUI/mL. Desse modo, em pacientes com valor discriminatório de β-HCG > 2.000 mUI/mL sugere-se que a ausência de gestação intrauterina ao USG é muito indicativa de gestação ectópica, podendo, entretanto, ser apenas um estágio inicial de gestação múltipla. Quando o β-HCG é < 2.000 mUI/mL deve-se repetir o exame em 48 horas; caso não haja elevação ou esta seja < 35%, há elevada probabilidade de gestação ectópica ou gestação inviável; elevações > 35% sugerem gravidez intrauterina viável.

Deve-se suspeitar de gestação ectópica rota em pacientes com dor abdominal moderada a grave, persistente, com sinais de defesa e irritação peritoneal. Sinais de choque estão frequentemente ausentes no início do quadro, mas podem se instalar rapidamente. Em mulheres em idade fértil, hemodinamicamente instáveis, sem outra causa aparente de choque, recomenda-se a realização do FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma) que, se positivo, mesmo que não haja visualização de massa anexial, apoia o diagnóstico de gravidez ectópica rota e deve desencadear acionamento de protocolo cirúrgico imediato.

Na suspeita de gestação ectópica rota deve-se realizar imediatamente medidas de suporte. A conduta definitiva padrão no tratamento da gestação ectópica é cirúrgica, entretanto é possível realizar tratamento medicamentoso em pacientes estáveis com metotrexato desde que a massa anexial seja

< 3,5 cm e o β-HCG < 5.000 mUI/mL. Essa decisão terapêutica deve ser tomada pelo especialista em conjunto com a paciente (Figura 1).

Figura 1 Avaliação de gestação ectópica em paciente hemodinamicamente estável. USG: ultrassom.

Sangramentos da segunda metade da gestação

Durante a segunda metade da gestação estima-se que apenas 4% das mulheres exteriorizem algum sangramento genital. Este, quando ocorre antes da viabilidade fetal, ou seja, antes de 24 semanas, representa alto risco, com até 1/3 de chance de aborto ou óbito fetal. Ressalte-se que essas gestantes estão sob maior risco de hemorragia pós-parto e necessidade transfusional.

Deve-se sempre coletar hemograma, coagulograma, tipagem sanguínea e indicação de imunoglobulina anti-Rh em pacientes Rh negativo que ainda não tenham recebido profilaxia com 28 semanas de idade gestacional.

Placenta prévia

É caracterizada pela inserção da placenta no segmento uterino inferior, posicionada em frente à apresentação fetal, próxima ou recobrindo o óstio interno da cérvix uterina. O quadro clínico clássico é de uma gestante com > 20 semanas com sangramento genital vermelho vivo e indolor; entretanto, até 20% das pacientes podem apresentar algum grau de irritabilidade uterina, com contrações leves. Pacientes com placenta prévia (PP) apresentam episódios intermitentes de sangramento, habitualmente de pequeno volume e não é esperado que evoluam com repercussão hemodinâmica.

Na suspeita de PP deve ser evitada a realização de toque vaginal e exame especular, pois podem precipitar hemorragia grave. Deve-se solicitar USG, que é a melhor ferramenta diagnóstica para caracterizar inserção placentária, sendo necessária visualização da placenta e do óstio interno da cérvix uterina. Apesar de contraintuitivo, o exame por via transvaginal é seguro e deve ser realizado caso o exame por via abdominal não visualize adequadamente as estruturas.

O médico emergencista deve oferecer monitorização materno-fetal contínua, cuidados de suporte hemodinâmico e encaminhar a paciente para serviço especializado. Ainda que estas pacientes apresentem sangramento de pequena monta sem sinais de instabilidade, não devem receber alta do DE até que sejam avaliadas por um obstetra.

Descolamento prematuro de placenta

É definido como a separação entre a placenta e a parede uterina que ocorre antes da expulsão fetal, decorrente de sangramento e hematoma localizado na interface entre estes tecidos. O sangramento materno volumoso está relacionado à evolução da gestante para coagulação intravascular disseminada (CIVD), e a perda de superfície de troca entre a placenta e a parede uterina leva a hipóxia fetal.

O descolamento prematuro de placenta (DPP) pode ser desencadeado por trauma abdominal contuso e, entre as etiologias não traumáticas mais comuns, estão hipertensão arterial sistêmica, trombofilia, tabagismo e uso de cocaína.

O quadro clínico clássico de DPP é de sangramento vaginal vermelho escuro em pequena quantidade, dor abdominal aguda e lancinante e hipertonia uterina. Entretanto, apenas 70% das pacientes irão apresentar sangramento vaginal e até 20% podem não apresentar dor abdominal. Em pacientes sem exteriorização de sangramento pode-se observar aumento progressivo da altura uterina causado pela expansão do hematoma. Ao exame físico deve-se buscar atentamente presença de petéquias e equimoses e sinais clínicos de coagulopatia. A gravidade do quadro se correlaciona com a extensão e velocidade de instalação do hematoma. O diagnóstico de DPP é clínico. Ao USG o hematoma agudo apresenta a mesma ecogenicidade da placenta, sendo de difícil caracterização, e sua realização não deve retardar o tratamento de pacientes com quadro característico de DPP.

Na suspeita de DPP, a equipe cirúrgica deve ser acionada e a paciente deve ser transferida para unidade especializada. A conduta do emergencista deve ser ofertar suporte clínico e hemodinâmico, com monitorização materno-fetal contínua. Deve-se obter imediatamente hemograma, tipagem sanguínea e coagulograma.

Sangramentos retroplacentários de pequeno volume, que não resultam em dor abdominal, irritabilidade uterina, alteração dos fatores de coagulação e, principalmente, sofrimento fetal, podem ser manejados de modo conservador pelo obstetra. Pacientes com sinais de gravidade devem ter a gestação resolvida de modo imediato.

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Emergências hipertensivas

As síndromes hipertensivas relacionadas à gestação oferecem elevada morbimortalidade materna e fetal. Hipertensão gestacional ocorre em até 17% das nulíparas e em até 4% das multíparas; entre 10 e 25% destas pacientes apresentarão pré-eclâmpsia.

A incidência global de pré-eclâmpsia é próxima a 5%. No Brasil, um estudo demonstrou incidência de 1,5%, porém acredita-se que haja subnotificação. Um estudo nacional encontrou mortalidade de até 22% em regiões brasileiras menos desenvolvidas, demonstrando a importância do reconhecimento e do manejo desta síndrome.

O diagnóstico de hipertensão arterial relacionada à gestação é definido como pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg ou pressão arterial diastólica ≥ 90 mmHg que se iniciam após 20 semanas de gestação e se resolvem em até 6 semanas após o parto.

Pré-eclâmpsia ocorre quando hipertensão gestacional se associa com proteinúria OU lesão de órgão-alvo, definida por critérios clínicos e laboratoriais, podendo ser classificada como leve ou grave (Tabela 2).

Tabela 2 Critérios de pré-eclâmpsia

Cr: creatinina; HAS: hipertensão arterial sistêmica; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

A pré-eclâmpsia é considerada grave na presença de pelo menos um dos cinco critérios: pressão arterial ≥ 160/110 mmHg, proteinúria de 5 g ou mais em urina de 24 horas ou presença de ≥ 3+ em proteinúria de fita; oligúria ou diurese menor do que 400 mL por dia; sintomatologia de iminência de eclâmpsia (cefaleia, dor epigástrica e transtornos visuais) ou edema pulmonar.

A síndrome HELLP é uma manifestação ou subtipo de pré-eclâmpsia em que ocorre microangiopatia trombótica manifestada por hemólise, elevação de enzimas hepáticas e trombocitopenia.

A eclampsia é definida como a ocorrência de crise convulsiva em paciente com síndrome hipertensiva gestacional na ausência de outras condições neurológicas que justifiquem o quadro.

Toda paciente com diagnóstico de pré-eclâmpsia deve ser hospitalizada, independentemente da gravidade, e referenciada para um serviço obstétrico terciário. A cura da pré-eclâmpsia só ocorre após a retirada da placenta, de modo que a conduta clínica deve estabelecer uma relação entre a gravidade da paciente e a idade gestacional em que se apresenta (Figuras 2 e 3).

Figura 2 Condutas na pré-eclâmpsia leve.

Figura 3 Condutas na pré-eclâmpsia grave.

Em pacientes que se apresentem no DE com PAS ≥ 160 mmHg ou PAD ≥ 110 mmHg persistente por > 15 minutos, está indicado início de terapia anti-hipertensiva com objetivo de redução inicial da PAM em 20%. De acordo com as recomendações da Febrasgo, a droga de escolha é a nifedipina oral; pode-se utilizar hidralazina, porém essa droga está relacionada a maior risco de hipotensão materna e bradicardia fetal. Em pacientes que não respondem a essas estratégias pode-se utilizar nitroprussiato de sódio, não ultrapassando a dose de 4 mcg/kg/min. (Tabela 3). Deve haver particular cautela no uso de fluidos em pacientes com pré-eclâmpsia, devido ao risco de sobrecarga volêmica e edema agudo de pulmão.

Tabela 3 Medicações anti-hipertensivas de escolha em gestantes com pré-eclâmpsia

A profilaxia de crises convulsivas com sulfato de magnésio está indicada em todas as pacientes com pré-eclâmpsia grave e eclâmpsia. O uso em pacientes com pré-eclâmpsia leve não é consensual e deve ser individualizado. Existem diferentes esquemas de administração do MgSO4, porém, independentemente do esquema escolhido, o seu uso deve ser mantido por até 24 horas após o parto (Tabela 4).

Tabela 4 Esquemas do MgSO4 para prevenção e tratamento da eclâmpsia

a Preparação da dose de ataque intravenosa: MgSO4, 50% – 1 ampola contém 10 mL com 5 g de MgSO4.

Diluir 8 mL de MgSO4, 50% (4 g) em 12 mL de água destilada ou solução fisiológica. A concentração final será 4 g/20 mL. Infundir a solução por via intravenosa lentamente (15-20 minutos).

Outra possibilidade: diluir 8 mL em 100 mL de solução fisiológica. Infundir em bomba de infusão contínua a 300 mL/h. Assim, o volume total será infundido em torno de 20 minutos.

b Preparação da dose de manutenção no esquema de Pritchard: utilizar 10 mL da ampola de MgSO4, 50%. Outras apresentações não devem ser utilizadas para esse esquema devido ao volume excessivo delas.

c Preparação da dose de manutenção no esquema de Zuspan: diluir 10 mL de MgSO4, 50% (1 ampola) em 490 mL de solução fisiológica. A concentração final terá 1 g/100 mL. Infundir a solução por via intravenosa na velocidade de 100 mL por hora.

A ocorrência de crises convulsivas é rara e costuma ser autolimitada. Estudos que compararam o uso de MgSO4 com benzodiazepínicos e fenitoína concluíram que o primeiro é superior aos demais na profilaxia de crises convulsivas. O uso de benzodiazepínicos se reserva a pacientes que se apresentem em estado de mal convulsivo.

Pacientes recebendo MgSO4 devem ser continuamente reavaliadas devido ao risco de toxicidade da droga. Ao iniciar a infusão, deve-se testar reflexos patelares e avaliar frequência respiratória. Reavaliação destes parâmetros e do débito urinário (que deve ser maior do que 25 mL/h) deve ser feita a cada 1 hora. Pacientes sem sinais de toxicidade e com função renal normal não necessitam de dosagem sérica dos níveis de magnésio de rotina. A infusão da droga deve ser suspensa caso o reflexo patelar torne-se abolido e a magnesemia deve ser obtida. Caso Mg > 8 mEQ/L (9,6 mg/dL), a infusão deve ser mantida suspensa e níveis séricos repetidos a cada 2 horas, sendo reiniciada em menor dose quando Mg < 7 mEq/L (8,4 mg/dL). Em pacientes com depressão respiratória deve-se suspender a infusão do MgSO4 e administrar gluconato de cálcio na dose de 1 g infundido em 2 a 4 minutos; caso a paciente se apresente em PCR ou com comprometimento hemodinâmico grave pode ser administrada uma dose de gluconato de cálcio de até 3 g.

Em pacientes com síndrome HELLP que apresentem dor abdominal em hipocôndrio direito ou epigastralgia deve-se suspeitar de hematoma hepático com distensão subcapsular, que tem elevado risco de rotura e óbito, sendo indicação de parto cesáreo imediato. Deve-se estar atento a sinais de CIVD e necessidade de reposição de fatores de coagulação.

Pacientes com pré-eclâmpsia devem estar sob monitorização multiparamétrica e monitorização cardiofetal contínuas. Após estabilização clínica e hemodinâmica devem ser imediatamente referenciadas a serviço especializado.

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Assistência ao trabalho de parto

O trabalho de parto não pode ser definido como emergência médica, e na maior parte das vezes evolui de maneira satisfatória. Entretanto, a assistência adequada ao parto requer habilidades que o emergencista deve dominar.

Transporte

Ao avaliar uma gestante em trabalho de parto o emergencista deve ponderar o risco × benefício de transferir a paciente a um serviço especializado. A utilização do escore de Malinas pode auxiliar nesta tomada de decisão. Esse escore faz uma estimativa do tempo esperado para o parto a partir de variáveis clínicas. Pacientes com escore < 5 têm tempo hábil para remoção; 5-7 indicam que o tempo até o parto é curto e a remoção deve ser ponderada de acordo com a distância a ser percorrida; em pacientes com escore > 7 deve-se evitar remoção, mas caso seja realizada, é necessária a presença de um médico e material para auxílio ao parto (Tabela 5).

Tabela 5 Escore de Malinas (avaliação do risco de ocorrer parto durante o transporte)

Parto vaginal

O parto vaginal é classicamente dividido em três fases. A primeira fase compreende a fase latente e a fase ativa do trabalho de parto. A fase latente é caracterizada por contrações uterinas irregulares e pouco coordenadas, com um colo uterino com < 4 cm de dilatação. A fase ativa do trabalho de parto se inicia a partir de 4 cm de dilatação, com uma progressão média de 1,2 cm/h em nulíparas e 1,5 cm/h em multíparas, e apresenta contrações coordenadas, com duração > 20 segundos e intervalo de até 10 minutos.

A segunda fase se inicia com a dilatação completa do colo uterino (10 cm) e termina com o desprendimento fetal. Sua duração em nulíparas é de até 2 horas e em multíparas de até 1 hora. Ações no sentido de impedir a evolução do parto devem ser evitadas (p. ex., manter as pernas fechadas) e diante de sua inevitabilidade (p. ex., sensação de evacuação, visualização do polo cefálico no introito vaginal) deve-se proporcionar ambiente adequado, limpo, liberando a paciente para buscar a posição em que se sinta mais confortável.

Nestas situações, o principal papel do médico emergencista é o de evitar partos rápidos, explosivos, que podem comprometer o feto. Para tanto, deve ser realizada manobra de proteção do períneo. Após o nascimento, a laqueadura do cordão deve aguardar a parada de pulsação. Não há necessidade de fazê-lo rapidamente, a menos que o recém-nascido necessite de manobras de reanimação. Após certificar-se que as vias aéreas estão patentes e a respiração ocorre adequadamente, o recém-nascido deve ser mantido aquecido com envolvimento em manta e entregue à mãe. Ao término da segunda fase devem ser administradas 10 UI de ocitocina por via IM na puérpera.

A terceira fase se inicia com o desprendimento fetal e termina com a dequitação placentária. Tem duração de até 30 minutos. Pode ser realizada tração controlada do cordão umbilical, mas de modo cauteloso. Não deve ser realizada massagem uterina para acelerar a dequitação devido ao risco de inversão uterina. Ao final da terceira fase deve ser realizada revisão do canal de parto com hemostasia e sutura de lacerações.

Distócia de ombro

Ocorre quando não há desprendimento bisacromial após o desprendimento do polo cefálico devido ao encravamento do ombro anterior acima do pube. As complicações maternas envolvem lacerações do canal do parto, rotura uterina, atonia uterina, hemorragia e disjunções pélvicas; enquanto o feto pode apresentar lesões do plexo braquial, fratura de clavícula e úmero, encefalopatia e morte. Os principais fatores de risco são macrossomia fetal, diabetes, obesidade e período expulsivo prolongado. A avaliação adequada do tamanho fetal e da bacia é um elemento importante na profilaxia durante a condução do trabalho de parto.

A possibilidade da distócia deve ser considerada quando se observa que o polo cefálico apresenta progressão e recuo durante as contrações e seus intervalos (sinal da tartaruga), ou ainda quando o polo cefálico se desprende, a face fetal se torna pletórica e há dificuldade em abaixar e erguer os ombros e o desprendimento do corpo não ocorre após 1 minuto.

As manobras para desprendimento devem ser realizadas de maneira conjunta, geralmente com necessidade de auxiliares. É fundamental que se evite tração excessiva no polo cefálico e compressão do fundo uterino.

As condutas iniciais são episiotomia ampla, a bexiga deve ser esvaziada, e a manobra de McRoberts – hiperflexão e abdução das coxas da gestante para retificação da lordose lombar materna na tentativa de ampliar o estreito obstétrico e facilitar a liberação do ombro. Conjuntamente, também se realiza a manobra de Rubin – pressão contínua e vigorosa suprapúbica, com o punho de auxiliar, para comprimir o ombro fetal e direcionar a rotação do diâmetro bisacromial do diâmetro sagital para o diâmetro oblíquo, mais amplo.

Segue-se o desprendimento do ombro posterior utilizando a manobra de Jacquemier, onde a mão do obstetra é introduzida no canal de parto, pelo dorso fetal, de maneira a alcançar o antebraço posterior, que é deslizado pela face anterior do tórax fetal até ser desprendido; desta forma, o diâmetro bisacromial é reduzido e o abaixamento do tronco fetal promoverá a liberação do ombro anterior. Na eventualidade de ocorrer o desprendimento do ombro anterior, pode-se apoiar o polo cefálico e o braço desprendido com as mãos, enquanto um auxiliar roda o dorso fetal em 180° para que o braço desprendido fique anterior e o ombro impactado rode para a concavidade sacra e a liberação seja realizada da mesma forma que o descrito para o braço já liberado.

Também é possível rodar a paciente da posição dorsal para a genopeitoral (manobra de Matthes). Nesta posição, a hiperflexão da coxa ocorre naturalmente e a manobra de Jacquemier, anteriormente descrita, é mais facilmente realizável. Outra manobra que pode ser executada é a tentativa de fratura da clavícula anterior por compressão de sua porção média, nem sempre fácil de ser realizada. Quando em ambiente hospitalar e sob anestesia, pode-se tentar a manobra de Zavanelli, com relaxamento medicamentoso uterino (p. ex., terbultalina) e elevação da apresentação fetal para o nível das espinhas ciáticas e realização de cesárea.

Parto pélvico

O ambiente adequado para parto vaginal pélvico é o hospitalar, diante de possíveis complicações e necessidade de manobras obstétricas.

Na iminência do parto, deve-se evitar manobras de tração de partes fetais, ou mobilizações desnecessárias do feto, para que não haja deflexão da cabeça e comprometimento dos mecanismos naturais de desprendimento fetal. Ao contrário, deve-se realizar contratração sobre o polo pélvico com a mão espalmada para limitar a saída. Essa manobra permite que as contrações uterinas comprimam o feto de maneira que o polo cefálico fique mais bem posicionado para o posterior desprendimento.

O mecanismo do parto pélvico implica a exteriorização do diâmetro bitrocantérico fetal em variedade oblíqua e exteriorização após rotação em 45º. Neste momento, a rotação do tronco fetal deverá ser no sentido do dorso se posicionar anteriormente – voltado para o pube da gestante. Caso a rotação esteja ocorrendo no sentido inverso, o profissional deve corrigir e direcionar, durante as contrações, a rotação para o sentido de dorso anterior.

Após o desprendimento do polo pélvico, deve-se proceder à tração cuidadosa do cordão umbilical para formar alça que permita melhor circulação para o feto. A progressão da descida ocorre com rotação para um dos oblíquos da pelve e desprendimento da cintura escapular. Caso o feto permaneça em posição oblíqua, sem o desprendimento espontâneo dos membros superiores, é possível haver distócia de ombros. Neste caso, será necessário realizar rotação ventrodorsal em 180º para posicionamento do ombro no oblíquo contralateral e liberação do membro superior; segue-se nova no sentido inverso em 90º para liberação do outro membro e reposicionamento do dorso fetal em direção anterior.

Para o desprendimento cefálico, apoia-se o tórax fetal com as mãos, os polegares sobre clavículas e os outros dedos sobre as escápulas, realizando movimento de anteriorização do dorso fetal em direção ao pube materno, manobra de Bracht, que favorece o hipomóclio fetal sob o púbis e o desprendimento do polo cefálico por flexão.

A gestante também pode ser posicionada em genopeitoral, ou em quatro apoios (mãos, joelhos), com afastamento das pernas. Nesta posição, ocorre a natural hiperflexão das pernas para melhor adequar o eixo pélvico e ampliar o estreito obstétrico, assim como a própria gravidade auxilia que o tronco fetal se anteriorize e se direcione para o hipogástrio. Cabe ao profissional oferecer a contratração inicial – anteriormente descrita – e apoiar a saída do polo pélvico com formação da alça de cordão.

Os recém-nascidos de parto pélvico têm maior possibilidade de necessitar de manobras de reanimação. A equipe deverá estar preparada para oferecer suporte, como ventilação e aquecimento.

Prolapso de cordão umbilical

Acidentes com cordão umbilical são pouco frequentes, mas com elevados riscos para o feto. O prolapso de cordão umbilical, com a rotura da bolsa amniótica, pode ocorrer lateralmente à apresentação (laterocidência) ou localizar-se à frente dela (procidência). Eventualmente, durante o exame obstétrico em pacientes com a bolsa amniótica íntegra, pode-se identificar o cordão pulsando à frente da apresentação, sinal claro que não se deve realizar ou aguardar a rotura da bolsa.

Quando o cordão se prolapsa à frente da apresentação, cefálica ou pélvica, poderá ocorrer sua compressão e obstrução com bloqueio da circulação feto-placentária, hipóxia fetal e óbito. Trata-se de emergência obstétrica com necessidade de intervenção imediata e parto cesárea.

Pode ser diagnosticado pela visão direta do cordão na vagina ou projetando-se além do introito; ou ser inferido pelo aparecimento de bradicardia fetal abrupta com a rotura amniótica. Assim que identificado, deve-se proceder à elevação da apresentação fetal através do toque vaginal, com os dedos indicador e médio do examinador no interior da vagina elevando o polo cefálico para evitar a compressão. Essa manobra deve ser mantida até a resolução do parto. A paciente poderá ser mantida em posição de Trendelenburg ou genopeitoral ou em decúbito lateral contrário ao lado do prolapso. A sondagem vesical com enchimento de volume entre 500 e 700 mL faz com que a bexiga cheia auxilie em manter a apresentação elevada. Durante o período de elevação da apresentação, o cordão deverá ser mantido umidificado e no interior da vagina, com muito cuidado para que a manipulação não estimule espasmo e obstrução.

Quando houver óbito fetal ou inviabilidade fetal, o parto poderá ser ultimado por via vaginal.

Hemorragia puerperal

Hemorragia puerperal é a principal causa de mortalidade materna no mundo. A definição de hemorragia pós-parto é sangramento > 500 mL em parto normal ou a impressão subjetiva de médico experiente de que houve sangramento maior do que o habitual.

A principal causa de hemorragia puerperal, e responsável por aproximadamente 80% dos casos, é a atonia uterina. Para recordar as principais etiologias de sangramento utilizamos a regra dos 4Ts:

O manejo de pacientes com hemorragia puerperal se baseia em terapia de suporte simultaneamente a terapêutica destinada ao tratamento da causa do sangramento. Deve-se acionar equipe cirúrgica, iniciar ressuscitação volêmica com cristaloides e acionar precocemente o banco de sangue. Deve-se lembrar que puérperas desenvolvem alterações de sinais vitais tardiamente e um indicador sensível nestes casos é o Shock Index que, quando > 1,4, tem elevada correlação com necessidade de suporte transfusional. Está indicado uso de ácido tranexâmico na dose de 1 g com infusão em 10-20 minutos, podendo ser repetido após 30 minutos caso haja persistência de sangramento.

Nos casos de atonia uterina, terapias uterotônicas farmacológicas e não farmacológicas devem ser realizadas simultaneamente. Caso a paciente não tenha recebido ocitocina profilática na terceira fase do trabalho de parto, deve ser administrada neste momento. A via pode ser IM na dose de 10 UI, ou EV, de 20-40 UI de ocitocina diluída em 1.000 mL SF com infusão em 60 minutos, pois a infusão rápida de ocitocina pode provocar hipotensão. O início de ação da ocitocina endovenosa é de 1 minuto; caso após esse período a paciente não dê sinais de melhora, pode-se progredir a terapêutica farmacológica para a ergometrina na dose 0,2 mg via IM. O início de ação da ergometrina é de 2-3 minutos; se após esse período a paciente persiste sem sinais de melhora, progride-se a terapêutica farmacológica com misoprostol na dose de 400 mcg sublingual (não deve ser feito uso intravaginal pois a substância será removida pelo sangramento intenso). O início de ação do misoprostol é tardio, em cerca de 30 minutos.

Simultaneamente deve-se realizar massagem do fundo uterino a fim de estimular a formação do globo de segurança de Pinard, com progressão imediata para massagem uterina bimanual, que consiste na inserção da mão e punho do examinador no canal vaginal da paciente, pressionando a parede uterina anterior, e com a outra mão trazendo de encontro a parede uterina posterior através do abdome e pressionando-as uma contra a outra. Essa medida tem elevada efetividade na hemostasia (Figura 4).

Figura 4 Massagem uterina bimanual.

Revisão do canal de parto é um passo indispensável após o desprendimento fetal e dequitação placentária, devendo ser realizada hemostasia e sutura de lacerações significativas e sangrantes. Em caso de suspeita de sangramento secundário, a retenção de tecidos placentários, além das medidas de ressuscitação comum a todos os casos, pode-se realizar curetagem uterina com inserção da mão do examinador na cavidade e limpeza com auxílio de compressa estéril.

Em caso de inversão uterina, quando o fundo uterino se insinua através da cavidade uterina e se exterioriza na pelve, o médico deve reposicionar o útero, pinçando o seu fundo com o polegar em oposição aos 4 dedos e empurrando-o para dentro da cavidade até que tenha retornado à posição anatômica.

Após avaliação de todas essas causas, caso a paciente persista apresentando sangramento, deve-se levantar suspeita de coagulopatias primárias ou induzidas pelo choque e medidas específicas de investigação e tratamento direcionados devem ser realizadas. É indispensável considerar a possibilidade de acionamento de protocolo de transfusão maciça, principalmente em pacientes com Shock Index > 1,4.

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Cesárea perimortem

Parada cardiorrespiratória (PCR) em gestantes é um cenário raro, porém catastrófico. A realização de parto cesáreo nesse contexto é primariamente uma medida de reanimação materna, repercutindo em melhora de sobrevida e desfecho neurológico do concepto. Postula-se que a compressão aortocaval pelo útero gravídico compromete o débito cardíaco e reduz a chance de retorno a circulação espontânea.

O ideal é que na ocorrência de PCR em gestante seja acionado um time multidisciplinar com emergencista, intensivista, anestesiologista, obstetra e neonatologista. Entretanto, em se tratando de serviço pré-hospitalar, não raro o emergencista estará sozinho e deverá coordenar e realizar todo o processo.

A American Heart Association (AHA) recomenda que ao ser identificada PCR em gestantes com mais de 20 semanas, caracterizada por fundo uterino palpável no nível ou acima da cicatriz umbilical, deve-se iniciar ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e simultaneamente preparo para cesárea perimortem, que deve ser realizada no local da PCR, sem atraso para remoção da paciente para centro cirúrgico.

Durante as manobras de RCP, a gestante deve ter o útero deslocado lateralmente à esquerda, uma tentativa de descomprimir o fluxo aortocaval. Não havendo RCE após período de até 5 minutos, recomenda-se realizar a cesárea, sendo este o tempo ideal para melhor desfecho do binômio. Caso o tempo de PCR seja acima de 5 minutos, a cesárea ainda deve ser realizada, porém o prognóstico é pior para ambos, com maior risco de encefalopatia anóxica neonatal e menor taxa de sucesso na reanimação materna.

Após o esvaziamento uterino, caso o feto seja considerado viável, ou seja, maior de 24 semanas, devem ser realizadas manobras de reanimação neonatal simultaneamente à continuidade das manobras de reanimação materna. No contexto de limitação de recursos, o emergencista deve definir quem se beneficiará mais das manobras de reanimação e concentrar os esforços.

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Cesárea perimortem: procedimentos

Lembre-se que a RCP deve ser continuada durante todo o procedimento. Afaste-se em caso de desfibrilação.

Higienize a pele da paciente utilizando o antisséptico disponível. Realize a passagem de sonda vesical de demora, se não for retardar o procedimento.

Utilizando bisturi, realize uma incisão vertical mediana entre o umbigo e a sínfise púbica. A linha nigra pode auxiliar na localização da linha média. A incisão deve penetrar pele, subcutâneo e fáscia. Incisão de Pfannestiel pode ser utilizada por aqueles que tenham domínio dessa técnica.

Utilizando os dedos, divulsione lateralmente as fibras do músculo reto abdominal.

Utilizando bisturi ou os dedos, adentre a cavidade peritoneal.

Uma vez que o útero esteja exposto, utilize afastadores nos dois lados da incisão para melhorar a visualização da cavidade. Na indisponibilidade de afastadores, solicite que alguém auxilie no afastamento das bordas.

Realize uma incisão uterina vertical mediana com bisturi até adentrar a cavidade uterina. Essa incisão pode ser ampliada com os dedos ou com o próprio bisturi. Caso se depare com a placenta na parede uterina anterior, realize a incisão através dela e imediatamente retire o bebê.

Caso as membranas amnióticas estejam íntegras, realize uma incisão com bisturi e tenha disponível dispositivo de aspiração.

Introduza sua mão na cavidade uterina entre a sínfise púbica e a apresentação fetal. Tracione cuidadosamente a apresentação fetal até visualização através da incisão abdominal materna e solicite que um auxiliar realize pressão no fundo uterino para auxiliar o desprendimento fetal.

Uma vez que o bebê tenha sido retirado, clampeie imediatamente o cordão umbilical e entregue ao responsável por iniciar manobras de reanimação neonatal.

Realize manualmente a dequitação placentária. Realize limpeza da cavidade uterina com compressas limpas. Administre 10 UI de ocitocina IM.

Suture as paredes uterinas com Vicryl 0 ou 1 utilizando técnica de chuleio ancorado. Suture a fáscia com náilon 0 ou 1 utilizando técnica de chuleio simples.

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Literatura recomendada

  1. Bogner G, Strobl M, Schausberger C, Fischer T, Reisenberger K, Jacobs VR. Breech delivery in the all fours position: a prospective observational comparative study with classic assistance. J Perinat Med. 2015 Nov;43(6):707-13.
  2. Butori JB, Guiot O, Luperon JL, Janky E, Kadhel P. Évaluation de l’imminence de l’accouchement inopiné extra-hospitalier en Guadeloupe: expérience du service médical d’urgence et de réanimation de Pointe-à-Pitre. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2014 Mar;43(3):254-62.
  3. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Serie Orientações e Recomendações FEBRASGO. n. 8, 2017. Pré-eclâmpsia nos seus diversos aspectos. São Paulo; 2017.
  4. Ghosh MK. Breech presentation: evolution of management. J Reprod Med. 2005 Feb;50(2):108-16.
  5. Lee SY, Kim HY, Cho GJ, Hong SC, Oh MJ, Kim HJ. Use of the shock index to predict maternal outcomes in women referred for postpartum hemorrhage. Int J Gynaecol Obstet. 2019 Feb;144(2):221-4.
  6. Mendez-Figueroa H, Dahlke JD, Vrees RA, Rouse DJ. Trauma in pregnancy: an updated systematic review. Am J Obstet Gynecol. 2013 Jul;209(1):1-10.
  7. Sentilhes L, Sénat MV, Boulogne AI, Deneux-Tharaux C, Fuchs F, Legendre G, et al. Dystocie des épaules: recommandations pour la pratique clinique – Texte court. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2015 Dec;44(10):1303-10.
  8. Zugaib, M. Protocolos assistenciais, clínica obstétrica FMUSP. 5. ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2015.
  9. Tintinalli JE, et al. Tintinalli’s emergency medicine: A comprehensive study guide. Resuscitation in pregnancy. 8. ed. New York: McGraw-Hill Education; 2016. p. 168-73.

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