Alergia alimentar em pediatria

ALERGIA ALIMENTAR EM PEDIATRIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
José Roberto Mendes Pegler

DIAGNÓSTICO
História clínica
• Alergias IgE-mediadas:
• Ocorrem de minutos a poucas horas após a ingestão do alimento.
• Dependem de uma exposição prévia ao alérgeno, porém podem ocorrer intraútero, via amamentação ou via cutânea, não sendo um bom parâmetro para o diagnóstico.
• Sintomas mais prevalentes:

• Alergias não IgE-mediadas:
• Ocorrem de horas ou poucos dias após a ingestão do alimento, às vezes dificultando o diagnóstico preciso do quadro e do alimento associado.
• A manifestação mais frequente é a proctite/colite, vista em lactentes jovens, relacionada ao leite, com sintomas de cólica, distensão abdominal e fezes com laivos de sangue.
• Podem ocorrer quadros mais graves, como a síndrome da enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES), com vômitos intensos levando à desidratação e queda do estado geral.
Alimentos mais frequentemente associados à alergia alimentar
Figura 1 Os oito alimentos mais frequentes na alergia alimentar.

Exame físico
• Fora das crises alérgicas, geralmente os pacientes se apresentam sem qualquer alteração ao exame físico.
• Em reações agudas IgE-mediadas, a depender da gravidade, podem ser encontrados: urticária localizada ou difusa, angioedema (extremidades, cavidade oral, genital), estridor laríngeo, sibilos, hipoxemia, taquicardia, hipotensão, rebaixamento do nível de consciência, choque.
• Quadros leves a moderados de alergia não IgE-mediada geralmente não se apresentam com alterações ao exame físico, porém a FPIES pode levar rapidamente à desidratação e até mimetizar quadros sépticos.
Exames complementares
• A absoluta maioria dos exames complementares existentes é direcionada a alergias IgE-mediadas, e não tem indicação na confirmação de suspeitas de alergias não IgE-mediadas
• Exames de alergia alimentar IgE-mediada positivos indicam apenas sensibilização e não indicam um diagnóstico fechado de alergia alimentar em pacientes sem suspeita clínica (tendo pouquíssima utilidade neste cenário).
• Exames in vitro na alergia IgE-mediada:
• IgEs específicas séricas:
• Podem ser utilizadas na confirmação de um caso clínico suspeito ou no acompanhamento de pacientes com alergia confirmada.
• Podem ser direcionadas aos alimentos (p. ex., leite) ou a seus componentes (p. ex., caseína).
• A pesquisa de IgE a grupos de alimentos não é adequada.
• Exames in vivo na alergia IgE-mediada:
• Teste de puntura (“prick test”):
• Paciente não pode estar em uso de anti-histamínicos na última semana ou ter tido reação grave nas últimas 4 semanas.
• Pode ser realizado usando extratos padronizados ou com a técnica de “prick-to-prick” com o próprio alimento.
• Ambos exames apresentam valores preditivos positivos moderados e valores preditivos negativos altos.
Teste de provocação oral
• Padrão de referência para diagnóstico da alergia alimentar e avaliação de aquisição de tolerância.
• Na alergia IgE-mediada e quadros graves de alergia não IgE-mediada, deve ser realizado exclusivamente por especialistas em centros preparados para o manejo imediato das complicações, que podem ser graves.
Diagnóstico final
• Alergia IgE-mediada:
• História clínica típica + exames positivos OU teste de provocação oral positivo.
• Alergia não IgE-mediada:
• História sugestiva, com melhora dos sintomas após a exclusão do alimento e TPO positivo confirmatório após 2 a 4 semanas.
Diagnósticos diferenciais

DRGE: doença do refluxo gastroesofágico.

TRATAMENTO
Alergia IgE-mediada
• Reação aguda:
• Reações leves e isoladas podem ser manejadas apenas com sintomáticos como anti-histamínicos ou antieméticos, a depender dos sintomas.
• Anafilaxia:
• É imperativa a administração de adrenalina via intramuscular o mais breve possível. A dose pode ser repetida após 5 a 15 minutos se não houver melhora (ver também “Anafilaxia em crianças e adolescentes: diagnóstico e tratamento”).
• As demais medicações citadas a seguir são apenas adjuvantes e podem ser administradas após o uso da adrenalina, caso necessário.
• O paciente deve permanecer em observação hospitalar idealmente de 6 a 8 horas após a reação, com esse período se estendendo por até 24 horas em casos de colapso circulatório, em virtude da possibilidade de recorrência tardia.

EV: endovenoso; IM: intramuscular; VO: via oral.
• Acompanhamento ambulatorial:
• Todo paciente com suspeita de alergia alimentar deve ser encaminhado para o alergista/imunologista para investigação e confirmação, e para avaliação da possibilidade de tratamentos específicos, como dessensibilização.
• A exclusão alimentar segue sendo o tratamento mais indicado, com necessidade da leitura de rótulos dos alimentos. Reposições nutricionais devem ser realizadas conforme o alimento excluído (p. ex., reposição de cálcio em exclusão de leite).
• Pacientes em risco de reação grave devem sempre portar adrenalina autoinjetável e todos devem possuir um “plano de ação” por escrito.
Alergia não IgE-mediada
• Após a confirmação de diagnóstico com o teste de provocação oral, o paciente deve permanecer em exclusão alimentar do alérgeno envolvido, conforme já descrito. Na alergia não IgE-mediada mesmo traços do alimento ingerido pela mãe podem ser passados via amamentação, portanto, se for o caso, a exclusão estrita do alimento também deve ocorrer na dieta materna.
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FLUXOGRAMA DE ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA
• A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é a alergia alimentar mais frequente no Brasil, e pode consistir nos dois quadros diferentes abordados anteriormente neste tópico. As fórmulas infantis (extensamente hidrolisadas, de aminoácidos ou de soja) são opções para a substituição do leite de vaca nestes pacientes.
• O fluxograma a seguir representa as opções de tratamento/substituição em cada caso.

AA: aminoácidos; FEH: fórmula extensamente hidrolisada; TPO: teste de provocação oral.
• Em pacientes com quadros graves, pode-se iniciar o tratamento diretamente com fórmula de aminoácidos.

PRESCRIÇÃO NA PRÁTICA
• Exemplo prescrição (cada caso deve ser avaliado individualmente e a decisão deve ser tomada pelo médico responsável pelo caso).
• Paciente de 10 anos e 30 kg, alérgico a amendoim, comparece ao pronto-socorro em anafilaxia franca (urticária, sibilos, vômitos e hipotensão) uma hora após consumo de um doce na festa da escola:
• Jejum.
• Adrenalina 0,3 mg IM em região lateral da coxa agora e a critério médico.
• Soro fisiológico (NaCl 0,9%) 600 mL EV em 20 minutos a critério médico.
• Difenidramina 30 mg EV após realização de adrenalina e a cada 6 horas se necessário.
• Ondansetrona 4 mg EV após realização de adrenalina e a cada 8 horas se necessário.
• Salbutamol (spray 100 mcg) 4 puffs com espaçador após administração da adrenalina e a critério médico.
• Metilprednisolona 30 mg EV após realização de adrenalina e a critério médico.
• Manter em decúbito dorsal horizontal com membros inferiores elevados.
• Monitoração de saturação de oxigênio, frequência cardíaca e pressão arterial.
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REFERÊNCIAS
1. Pegler JRM. Alergia alimentar em pediatria: diagnóstico e tratamento. InforMed, 2022. Disponível em: https://app.informed.digital/conteudo/5f2dd2ef73e91a04062e79ec.
2. Castro APBM, Brandão AC, Gushken AKF, Beck AML. Alergia alimentar. In: Pastorino AC, Castro APBM, Carneiro-Sampaio M. Alergia e imunologia para o pediatra. 3rd ed. Barueri, SP: Manole; 2018.
3. Castro APBM, Brandão AC. Tratamento da alergia alimentar e uso de fórmulas especiais. In: Pastorino AC, Castro APBM, Carneiro-Sampaio M. Alergia e imunologia para o pediatra. 3rd ed. Barueri, SP: Manole; 2018.
4. Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):7-38.http://aaai-asbai.org.br/detalhe_artigo.asp?id=851
5. Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 2 – Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):39-82. http://aaai-asbai.org.br/detalhe_artigo.asp?id=865

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