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Os modos de ventilação mecânica que o médico precisa dominar

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Clínica Médica
Os modos de ventilação mecânica que o médico precisa dominar

Guia clínico, direto ao ponto, sobre como pensar em modos de ventilação mecânica (gatilho, alvo e ciclaje), diferenças entre volume-controlado e pressão-controlado, quando usar AC, SIMV, PSV e o que observar em APRV, com dicas práticas de ajuste e de desmame para a rotina da UTI e do pronto-socorro. Após indicar ventilação mecânica, a escolha do modo costuma refletir familiaridade da equipe e protocolos locais, a evidência de superioridade entre modos para desfechos duros é limitada. Ainda assim, compreender a mecânica do ciclo respiratório e como cada modo interage com o paciente é decisivo para segurança e eficiência do suporte.

 

Como pensar cada respiração: gatilho, alvo e ciclaje

Todo ciclo pode ser decomposto em três pontos: o gatilho (tempo ou esforço do paciente), o alvo (variável não excedida durante a inspiração, como fluxo/pressão/volume) e a ciclaje (o que encerra a inspiração e inicia a expiração). Essa lente ajuda a comparar modos e a ajustar sincronia. 

 

Estratégia do fole: volume-controlado versus pressão-controlado

Na prática, você escolhe primeiro a estratégia do “fôlego” (volume-limitado ou pressão-limitado) e depois o padrão temporal/misto de entregas. Volume-controlado garante volume corrente previsível ao custo de picos pressóricos variáveis; pressão-controlado limita pressão de pico, com Vt dependente de complacência e resistência. A seleção deve considerar metas de proteção pulmonar, complacência dinâmica e hemodinâmica.

 

AC versus SIMV: quando cada um faz mais sentido

AC (assist-control) tende a ser preferido no paciente crítico que requer suporte pleno e Vt constante. SIMV pode oferecer sincronia melhor, menor pressão média de vias aéreas e preservação de musculatura respiratória; costuma reduzir risco de auto-PEEP em comparação ao AC. Em ambos, ajuste cuidadoso de sensibilidade, tempo inspiratório e PEEP é essencial para evitar assincronia e hipotensão relacionada à pressão positiva. 

 

PSV: conforto, trabalho respiratório e desmame

No PSV, cada respiração é disparada pelo paciente, o alvo é pressão e a ciclaje ocorre quando o fluxo inspiratório cai para uma fração do pico (tipicamente 25%). Aumentar o nível de suporte reduz o trabalho respiratório, desde que o fluxo atenda à demanda. O modo é útil no desmame e como complemento de SIMV para vencer resistência de tubo e circuito; em tubos ≤7, pressões ≥10 cmH2O podem ser necessárias apenas para superar a resistência. 

 

APRV: o que é, quando considerar e cuidados

APRV alterna um CPAP elevado por tempo prolongado (Phigh/Thigh) com quedas rápidas para Pressão baixa por tempo curto (Plow/Tlow). Permite respiração espontânea (sobretudo em Phigh), recruta alvéolos e pode melhorar oxigenação e complacência, mas não demonstrou reduzir mortalidade e pode gerar Vt elevados se mal implementado. Usar com cautela em DPOC grave ou alta demanda ventilatória pelo risco de hiperinsuflação e barotrauma. 

 

Dicas práticas de ajuste à beira-leito

  • Suspeitou auto-PEEP (aprisionamento aéreo) no volume-controlado com relação I:E curta? Reavalie tempo expiratório, fluxo e Vt antes de escalar sedação ou bloqueio.
  • Em PSV que não “desarma”, verifique a ciclaje por fluxo: valores muito baixos prolongam TI e podem gerar assincronia; valores muito altos ciclavam cedo demais. Ajuste a porcentagem de fluxo, o nível de suporte e PEEP.
  • Em APRV, calibre Tlow observando a curva fluxo-tempo para encerrar a expiração em ~75% do pico de fluxo expiratório, mitigando dessuflação excessiva e mantendo pressão média elevada para recrutamento.
  • Revise hemodinâmica após qualquer incremento de pressão média de vias aéreas (ex.: IRV/APRV), atento a hipotensão e a necessidade de ajuste de fluido/vasoativo.

 

Desmame: postura pragmática

Use PSV em níveis progressivamente menores, teste respiração espontânea quando critérios clínicos forem atendidos, e monitore assincronias e esforço. Lembre que estudos não mostram vantagem consistente do PSV sobre outras estratégias de desmame; o foco é individualizar, manter proteção pulmonar e prevenir fadiga. Mais do que “o melhor modo”, importa adequar a estratégia do fôlego e o padrão de entrega ao objetivo clínico do momento (proteção, oxigenação, desmame) e à resposta do paciente, usando a tríade gatilho-alvo-ciclaje como bússola para ajustes finos. 

 

Referências

UpToDate. Modes of mechanical ventilation. Literature review current through Oct 2025; last updated Jun 24, 2025. Acessado no reprint oficial.

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