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A formação do cirurgião do trauma nos Estados Unidos: qual o futuro do cirurgião? Patricia Perisse, Antonio Carlos Marttos Jr. Sumário…
A formação cirúrgica ao redor do mundo vem evoluindo substancialmente nos últimos anos. Novos modelos educacionais, acesso a treinamentos em laboratório com modelos animais ou mecânicos, além de simulações por computador têm sido adicionados ao modelo de preceptoria tradicional em que um cirurgião mais experiente orienta os mais novos.
Neste capítulo, vamos fazer um paralelo entre as residências nos Estados Unidos e no Brasil, analisando toda a complexidade envolvida na formação do cirurgião, detalhando as estruturas, as regras e o conhecimento mínimo que cada uma deve oferecer ao residente de cirurgia geral.
Atualmente, o crescente número de acidentes automobilísticos, de vítimas de guerra em vários locais no mundo, de ferimentos por armas de fogo e de vítimas de trauma de outra natureza vem aumentando a demanda por especialistas em cirurgia de trauma. A cirurgia do trauma, associada à cirurgia geral de emergência, vem se tornando rapidamente uma especialidade com alta demanda de profissionais.
Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, a estrutura, o currículo, os programas, a metodologia de ensino e o treinamento dos residentes da cirurgia geral vêm sofrendo constante evolução e aprimoramento com prospecção de atendimentos cada vez mais rápidos e precisos aos pacientes vítimas de trauma.
Em relação à formação do cirurgião de trauma nos Estados Unidos, além da experiência em trauma obtida durante o período de residência, para obtenção de título de especialista em trauma se faz necessária especialização de 2 anos.
Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, a estrutura, o currículo, os programas, a metodologia de ensino e o treinamento dos residentes da cirurgia geral vêm sofrendo constante evolução e aprimoramento com a capacitação para atendimentos cada vez mais rápidos e precisos aos pacientes vítimas de trauma. A evolução da residência em cirurgia geral passa pela necessidade imperativa de conhecer seu passado e seu presente, analisando sucessos, falhas e obstáculos enfrentados pelo residente desde o início da formação do programa de residência médica em cirurgia geral, tentando traçar um futuro para o cirurgião de trauma baseado na vivência na especialidade.
Durante os três primeiros séculos depois da colonização, os Estados Unidos não possuíam qualquer formação cirúrgica formal. Durante esse período os aprendizes observavam cirurgiões trabalhando e aprendiam sem seguir nenhum serviço de cirurgia previamente estabelecido. Alguns cirurgiões mais afortunados conseguiam suplementar o aprendizado acompanhando cirurgiões europeus reconhecidos.
O primeiro treinamento formal nos Estados Unidos em cirurgia se iniciou no Johns Hopkins Hospital sob a direção do Dr. William Stewart Halsted em 1889. No sistema do Dr. Halsted, os residentes, todos do sexo masculino, trabalhavam nos andares com pacientes internados e nas salas cirúrgicas, mas era esperado que se envolvessem também em pesquisa relacionada aos tópicos do dia referentes a anatomia, fisiologia e bacteriologia.
Oito residentes entravam a cada ano e metade destes eram desligados do serviço por ano. O chefe residente era escolhido pelo Dr. Halsted. Era uma posição muito disputada e obtida geralmente após 8 anos de treinamento. Edward Churchill, do Massachusetts General Hospital, foi o cirurgião responsável por instituir o término da residência após um número predeterminado de anos. A certificação da residência em cirurgia geral chamada Board Certification in General Surgery só foi instituída em 1937. O American College of Surgery começou a credenciar residências em 1939.
Nos dias atuais, o American Board of Medical Specialties Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) é o órgão responsável pela acreditação da residência.
No Brasil, em 1945, foi criado o primeiro serviço de residência médica no Serviço de Ortopedia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Na década de 1940, surgem no Rio de Janeiro e em outras cidades alguns programas de cirurgia geral.
Somente em 1977, o Decreto n. 80.281 instituiu a residência médica como procedimento formal de pós-graduação em Medicina, surgindo como exigência para a obtenção do grau de especialista que é dado pelas sociedades de especialidade.
A homologação do título de especialista se faz por dois principais órgãos de acreditação. Nos Estados Unidos cabe ao Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) e no Brasil o órgão responsável é o Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Os requisitos básicos para a obtenção de título de especialista em cirurgia também diferem entre o Brasil e os Estados Unidos.
Segundo The American Board of Surgery os requerimentos básicos são:
Em relação à experiência cirúrgica mínima obrigatória, ao menos 850 procedimentos cirúrgicos devem ser realizados pelo residente nos últimos 5 anos, no mínimo 40 casos em terapia intensiva relacionada ao paciente cirúrgico, participação em pelo menos 25 casos como assistente do professor.
As rotações obrigatórias durante os 5 anos são relacionadas a cirurgias em áreas do abdome, trato gastrointestinal, cabeça e pescoço, cirurgia plástica, cirurgia endócrina, cirurgia oncológica, trauma, queimados, cuidados intensivos de pacientes cirúrgicos críticos, cirurgia vascular, cirurgia pediátrica e transplante. Algumas instituições oferecem treinamento em cirurgia robótica e laboratório de cirurgias simuladas.
Em relação ao braço acadêmico da residência, avaliações de performance periódica dos residentes realizada por professores e residentes veteranos e reuniões clínicas com staffs e residentes sobre os casos vividos por eles no dia a dia auxiliam muito no aprendizado.
As vagas para residência em cirurgia geral nos Estados Unidos podem ser classificadas em categorical e preliminar. No categorical, com algumas exceções, o residente garante a vaga até o término do programa de residência. No preliminar, o residente só garante a vaga por um ano, geralmente o PGY1. O ano de preliminar é um ano obrigatório de pré-requisito para residentes que passaram em anestesia, urologia, ortopedia ou otorrino ou para médicos imigrantes que não conseguiram vagas de categorical.
Segundo o MEC, o cumprimento integral do Programa Nacional de Residência confere ao médico residente o título de especialista e os requerimentos básicos são:
No Brasil, cada residente é responsável por pelo menos cinco leitos, com carga horária mínima de 60 horas de trabalho semanal e 24 horas de plantão com um dia de folga por semana.
Em relação ao braço acadêmico do programa, não há obrigatoriedade de pesquisa nos serviços de cirurgia geral; a avaliação de cada residente difere de acordo com o serviço, mas geralmente é feita por meio de testes mensais, bimestrais anuais, escritos ou práticos.
A carga horária da residência no Brasil é dividida em 25% centro cirúrgico, 25% cuidado com pacientes internados, 25% urgências e emergências, 15% ambulatório e 10% educacional com seminários, conferências, reuniões clínicas, bioética e clubes para elaboração de artigos.
No primeiro ano, a meta do residente é participar como primeiro auxiliar no mínimo em 48 cirurgias e ser cirurgião principal em pelo menos 24 cirurgias. Já no segundo ano, o residente deverá ser exposto a cirurgias mais complexas e deverá ser primeiro assistente em pelo menos 24 cirurgias e o cirurgião principal em pelo menos 48 cirurgias de grande porte.
As rotações mandatórias na residência estarão relacionadas ao ano cursado pelo residente. No primeiro ano, as especialidades serão cabeça e pescoço, cirurgia pediátrica, cirurgia plástica, cirurgia vascular, proctológica, urgência, emergência e urologia. No segundo ano, as rotações são mais relacionadas a emergências cirúrgicas relacionadas a cirurgia geral, videolaparoscopia e cirurgia do trauma.
Em relação à remuneração mensal, no Brasil a média salarial é de USD 8.649.60 anuais enquanto nos Estados Unidos o residente recebe em média USD 60.719, crescendo com o decorrer dos anos. Essa remuneração permite um treinamento mais prolongado e dedicação exclusiva durante a residência nos Estados Unidos.
O autor descreve a seguir o Programa de Residência em Cirurgia Geral do Jackson Memorial Hospital em Miami como um exemplo da formação do Cirurgião Geral nos Estados Unidos.
O Jackson Memorial Program é um programa em expansão com grande volume e diversidade de casos cirúrgicos, possuindo um Centro de Trauma nível 1 e outro nível 2 e unidade de cuidados terciários no Sul da Flórida.
O programa oferece uma variedade grande de locais para rotação, o que favorece o aprendizado do residente e aumenta as possibilidades de atendimento aos pacientes.
Os possíveis locais de rotação do Jackson Memorial Program são: Jackson Memorial Hospital; Bruce W. Carter Department of Veterans Affairs Medical Center; Nicklaus Children’s Hospital; Sylvester Comprehensive Cancer Center e UHealth Tower.
Em relação à estrutura da residência, o programa recebe 7 residentes em cada um dos 5 anos e mantém 6 residentes em pesquisa.
A carga horária é de 40 horas por semana com 12 horas de descanso.
Em relação às rotações na residência relacionadas a cada ano, o autor faz um resumo das especialidades:
Realizado sempre às quintas-feiras, esse segmento é composto de rounds, conferências e preparação oral para a prova de certificação do terceiro e do quinto ano. As conferências de morbidade e mortalidade são semanais e os grandes rounds mensais.
Os programas de residência nos Estados Unidos são divididos segundo as suas características predominantes em acadêmico ou comunitário; urbano versus rural, 5 anos versus 7 anos; Centro de Trauma. Os tipos de vagas podem ser divididos em categorical e preliminar.
O programa do Jackson é considerado grande, aceitando 7 residentes por ano (categorical).
Com uma forte vocação para pesquisa, o programa conta com três residentes em cada ano depois do PGY 2, voltados para esse campo e cada um deles vai desenvolver trabalhos na área por 2 anos.
Vários hospitais são utilizados pelo programa como centros de pesquisa em diversas áreas:
O programa oferece, após 5 anos iniciais de residência em Cirurgia Geral, especialização em várias áreas da cirurgia (fellowships). Cirurgiões experientes e com sólida formação cirúrgica podem se especializar nas seguintes áreas: trauma/critical care, colorretal, cirurgia minimamente invasiva, cirurgia plástica, cirurgia pediátrica, cirurgia vascular, cirurgia oncológica, cirurgia endócrina, cirurgia torácica, cirurgia cardíaca, entre outras.
A residência de trauma e surgical critical care é um programa de 2 anos em que após a extensa formação em cirurgia geral, o cirurgião submete-se a um intenso treinamento para o atendimento e suporte a pacientes críticos em unidade de terapia intensiva cirúrgica no primeiro ano e cirurgia de trauma e cirurgia geral de emergência (acute care surgery) no segundo ano. As rotações ocorrem no Ryder Trauma Center (Centro de excelência em cirurgia do trauma, que oferece nível 1 de atendimento), Jackson South Medical Center (Centro de Trauma nível 2) e University of Miami Hospital.
No primeiro ano, o fellow em Terapia Intensiva Cirúrgica apresenta rotações mensais nas Unidades de Terapia Intensiva de Trauma (4 meses), Unidade de Terapia Intensiva de Cirurgia Geral e Transplantes (4 meses), Serviço de Queimados (1 mês), Unidade de Terapia Intensiva de Cirurgia Cardíaca/ECMO (1 mês), Centro de Trauma nível 2 (1 ou 2 meses), 4 semanas de férias. Os fellows em terapia intensiva cirúrgica terão experiência no tratamento de pacientes com lesões traumáticas graves, queimados, transplantes de rins, pâncreas, fígado, multiviscerais, coração, pulmão. Durante o processo, eles podem dispor de equipamentos e tecnologia como o ECMO, podendo realizar endoscopia digestiva alta, broncoscopia, traqueostomias percutânea e aberta, além de tratar grandes queimados.
No segundo ano, o foco do fellowship é na Cirurgia do Trauma e Cirurgia Geral de Emergência (Acute Care Surgery). Serão 11 meses com trabalhos nessas áreas e 4 semanas de férias. Os fellows ficarão responsáveis pelo tratamento agudo de pacientes com lesões traumáticas graves, realizarão o atendimento primário, seguido das intervenções cirúrgicas necessárias. As rotações acontecem no Ryder Trauma Center e Jackson South Medical Center. Durante este ano os fellows serão expostos e capazes de lidar com a cirurgia do trauma, incluindo cavidade abdominal, cavidade torácica, toracotomias, tratamento de lesões cardíacas e pulmonares, tratamento de lesões vasculares, incluindo enxertos em lesões vasculares do pescoço, tórax, abdome e membros, tratamento de queimados e atendimento a queimados.
Após avaliação detalhada e comparativa das residências em cirurgia geral nos Estados Unidos e no Brasil, verificamos que ambas oferecem excelentes oportunidades de aprendizado, trabalho em campo, novas tecnologias e obstáculos a serem transpostos no futuro.
Os programas de residência em cirurgia geral no Brasil vêm evoluindo com a tendência de uma formação mais completa com a obrigatoriedade dos 3 anos de residência como requerimento básico. A especialização em cirurgia do trauma de 1 ou 2 anos ainda se encontra em discussão, assim como programas conjuntos envolvendo trauma e cirurgia geral de emergência (acute care surgery).
No Brasil, o aumento da violência urbana, do número de pacientes vítimas de acidentes automobilísticos, vítimas de armas de fogo e armas brancas aumentou muito a demanda por centros de trauma, pressionando cada vez mais que a residência em cirurgia geral tenha uma base sólida em trauma para que o cirurgião possa adequadamente atender a sociedade.
Nos Estados Unidos, o cirurgião geral apresenta uma formação de no mínimo 5 anos com um sistema de avaliação de desempenho anual dos residentes extremamente rígido. A dedicação é exclusiva e a formação é ampla, com exposição a tecnologias como robótica e videoconferências que permitem ao cirurgião geral realizar ou conduzir cirurgias a distância. A produção de material científico é muito estimulada, com alguns serviços oferecendo 2 anos de dedicação à pesquisa durante o tempo de residência.
A cirurgia do trauma vem crescendo em qualidade de treinamento e atendimento. Protocolos avançados de atendimento, salas híbridas, banco de sangue prontos para ressuscitação, time cirúrgico treinado, serviço de imagem integrado e videoconferências que permitem ao cirurgião do trauma acompanhar ou conduzir cirurgias a longa distância em áreas rurais, de conflito ou guerras permitem atendimento rápido e preciso. A teleconferência vem como instrumento fundamental na formação do residente e na atualização do cirurgião do trauma.
A violência crescente no mundo, guerras e aumento no número de vítimas de trauma a cada ano vem aumentando a demanda por cirurgiões especializados em trauma. O cirurgião geral deve ser cada vez mais resolutivo e o treinamento extra em cirurgia geral de emergência (acute care surgery) é uma tendência natural.
O advento de novas formas de educação e simulação no treinamento em cirurgia e trauma e o aparecimento de novas tecnologias para a realização de procedimentos proporcionaram para esses especialistas uma maior rapidez e precisão no atendimento ao paciente cirúrgico. Esses fatores somados favorecem uma prospecção de crescimento contínuo da especialidade com cirurgiões gerais e de trauma apresentando formação cada vez mais sólida, capazes de atendimentos cada vez mais complexos, precisos e rápidos.
A formação do cirurgião do trauma nos Estados Unidos: qual o futuro do cirurgião? Patricia Perisse, Antonio Carlos Marttos Jr. Sumário…
A formação do cirurgião do trauma nos Estados Unidos: qual o futuro do cirurgião? Patricia Perisse, Antonio Carlos Marttos Jr. Sumário…