
Intercorrências domiciliares mais frequentes: Insônia
O paciente grave na sala de emergência Rodrigo Antonio Brandão Neto, Júlio César Garcia de Alencar, Heraldo Possolo de Souza, Lucas Oliveira Marino, Gustavo…
Médicos emergencistas devem desenvolver e aperfeiçoar a competência de reconhecer o paciente grave ou com potencial de gravidade de forma rápida, sistemática e precisa. O objetivo inicial é realizar um diagnóstico sindrômico e iniciar o tratamento efetivo o mais precocemente possível.
O paciente grave no DE geralmente apresenta síndrome clínica relacionada a disfunções isoladas ou combinadas da via aérea, respiração ou ventilação, hemodinâmica ou consciência (Figura 5). Assim, quando o paciente é encaminhado para a sala de emergência, esses sistemas devem ser avaliados sistematicamente.
Os departamentos de emergência no Brasil costumam apresentar oferta de serviços assistenciais inferior à demanda de pacientes, acarretamento impacto negativo direto ao cuidado. O atraso no primeiro atendimento pode piorar o prognóstico imediato de pacientes graves. Para minimizar esse efeito, os serviços de saúde devem utilizar escalas de triagem com metodologias eficazes.
A Portaria n. 2048/2002 do Ministério da Saúde define que a triagem classificatória de risco deve ser realizada por profissional de saúde de nível superior, mediante treinamento específico e utilização de protocolos preestabelecidos, e tem por objetivo avaliar o grau de urgência das queixas dos pacientes, colocando-os em ordem de prioridade para o atendimento.
A triagem pode ser realizada através da queixa principal do paciente ou de acordo com os seus sinais vitais, não existindo um consenso na literatura de qual estratégia tem maior benefício. O American College of Emergency Physicians (ACEP) e a Emergency Nurse Association (ENA) recomendam a classificação de pacientes em 5 níveis de gravidade, como o Emergency Severity Index (ESI), o Manchester Triage Scale (MTS) e a Canadian Triage and Acuity Scale (CTAS).
O MTS parece ser acurado em predizer gravidade de pacientes com síndrome coronariana aguda, mas é uma ferramenta pouco útil para predizer gravidade em pacientes com tromboembolismo pulmonar ou sépticos, quando classifica, por exemplo, como prioritários (vermelho ou laranja) apenas 60% dos pacientes com sepse e disfunção hemodinâmica.
Em relação a desfechos no DE, a evidência da literatura é relativamente pobre. Estudos sugerem que o MTS e o ESI são acurados (sensibilidade acima de 90%) em predizer mortalidade no DE de acordo com a classificação de risco do paciente.
Uma estratégia para melhorar a performance das escalas de triagem é a incorporação de dados adicionais, como sinais de alerta no exame físico que, caso estejam alterados, modificariam a classificação. Estudos sugerem que o uso do National Early Warning Score (NEWS) pode aumentar a acurácia e a sensibilidade das escalas, além de poder ser utilizado como fator prognóstico isolado em subgrupo de pacientes, como idosos admitidos por insuficiência respiratória.
Tabela 1
CTAS: Canadian Triage and Acuity Scale; ESI: Emergency Severity Index; MTS: Manchester Triage Scale.
A abordagem inicial do paciente grave na sala de emergência deve ser iniciada pela avaliação da responsividade e do pulso do paciente. Caso não responda e não tenha pulso é necessário iniciar manobras de reanimação cardiopulmonar. Se o paciente responde ou tem pulso, iniciaremos a Monitorização, Suplementação de Oxigênio e Acesso Venoso (MOV) e a avaliação sistemática do paciente grave, didaticamente representada pelo mnemônico ABCDE.
Todos os pacientes encaminhados ao DE são elegíveis para monitorização multiparamétrica, oxigenioterapia suplementar e acesso venoso periférico.
A monitorização multiparamétrica é geralmente realizada com pressão arterial (PA), oximetria de pulso, temperatura e cardioscopia. Embora seja uma prática pouco validada na literatura, em nosso serviço adicionamos a mensuração de glicemia capilar ao famoso mnemônico, além da realização de eletrocardiograma em pacientes com queixa de dor torácica ou equivalentes anginosos, como dispneia ou dispepsia.
A monitorização idealmente deve ser realizada em um monitor portátil multiparamétrico, com as seguintes avaliações:
No DE, oxigenioterapia suplementar é frequentemente administrada para o tratamento inicial de hipoxemia.
Paciente vítimas de trauma devem receber oxigenioterapia suplementar inicial com máscara facial com reservatório ou máscara não reinalante (MNR) a 15 L/min no atendimento inicial, sendo também a primeira escolha em pacientes admitidos com SatO2 < 85%. Pacientes com SatO2 > 85% devem ter conduta individualizada (Tabela 2).
Tabela 2 Suplementação de oxigênio
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; IRpA: insuficiência respiratória aguda; SDRA: síndrome do desconforto respiratório agudo.
A ventilação não invasiva (VNI) tem benefícios demonstrados nas seguintes indicações:
Considerar ventilação invasiva em pacientes com alteração de nível de consciência ou falha na terapia com oxigênio suplementar ou com VNI.
Estudos clínicos demonstram que a formação de espécies reativas de oxigênio associadas a hiperóxia causam vasoconstrição coronariana e sistêmica, resultando em piores desfechos para o paciente. Além disso, idealmente, a causa da hipoxemia deve ser diagnosticada e tratada com urgência. Assim, oxigênio deve ser prescrito para alcançar uma SatO2 de 90-98% para a maioria dos pacientes com doença aguda ou SatO2 de 88-92% para pacientes com risco de insuficiência respiratória hipercápnica (como pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica).
A punção venosa idealmente deve estabelecer dois acessos calibrosos (18G ou maior). Devido a dificuldades individuais (obesidade, hipovolemia etc.), muitas vezes essa conduta é inviável. O uso do ultrassom point-of-care para guiar a punção de veias ou dispositivos intraósseos são ferramentas indispensáveis no DE.
O paciente grave deve ser atendido por uma equipe multiprofissional, guiada por um líder competente, que irá avaliar e intervir simultaneamente e de forma integrada. Didaticamente, este capítulo não se aterá às intervenções imediatas, uma vez que cada uma delas depende do diagnóstico sindrômico do paciente, e serão mais bem abordadas ao longo deste livro.
Avaliação da via aérea:
Devem ser pesquisados sinais ou sintomas de insuficiência respiratória (Tabela 3):
Tabela 3 Parâmetros que podem ser utilizados para avaliar pacientes com desconforto ou insuficiência respiratória
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.
Uma das grandes síndromes do paciente grave é a insuficiência respiratória (IRpA), que pode ser dividida em dois subtipos, hipoxêmica ou hipercápnica. O diagnóstico é gasométrico, mas existem características clínicas que nos permitem predizer o subtipo e instituir intervenções antes do resultado do exame.
A avaliação inicial da circulação inclui exame clínico dirigido e monitorização dos parâmetros mais importantes (palidez cutânea, presença de pulso periférico, tempo de enchimento capilar [TEC], frequência cardíaca [FC], pressão arterial [PA], eletrocardiograma [ECG] e oximetria).
A história é colhida durante o exame físico, e é importante para identificar a causa das alterações circulatórias, por exemplo, sepse ou infarto agudo do miocárdio. No exame físico, alguns sinais específicos devem ser observados, pois podem indicar gravidade maior do caso:
Em pacientes com quadro de choque hemorrágico, o controle do sangramento é prioritário.
Nesse momento, deve-se realizar um exame neurológico sistematizado, com intuito diagnóstico, terapêutico e prognóstico. Avalia-se inicialmente a consciência, que é definida como a percepção de si e do meio. As alterações de consciência são divididas em:
Na avaliação inicial de pacientes alertas e responsivos, deve-se realizar anamnese e exame físico. Já em pacientes irresponsivos, deve-se checar pulso e, se presente, realizar a medida de glicemia capilar e a correção de possível hipoglicemia como primeiras medidas obrigatórias.
O rebaixamento do nível de consciência é sintoma de uma gama diversa de etiologias. No estado de coma, o paciente não pode ser despertado, sendo completamente inconsciente e insensível aos estímulos externos. Pacientes em coma por definição são incapazes de relatar suas histórias, tornando necessária uma rápida coleta de informações com familiares, equipe pré-hospitalar ou testemunhas.
A escala de coma de Glasgow (ECG), apesar de ser amplamente utilizada, possui fatores limitantes que devem ser considerados durante a aplicação:
Atentar ainda que o principal indicador de gravidade nessa escala é a pontuação na resposta motora e deve-se pontuar o valor máximo obtido pelo paciente. Por fim, a ECG não deve ser utilizada como parâmetro isolado para indicar via aérea avançada (Tabela 4, Figura 1).
Tabela 4 Escala de coma de Glasgow
Figura 1 Diferença de padrão de resposta motora entre flexão normal (pontua 4 pontos) e flexão anormal (pontua 3 pontos).
Recentemente foi proposta a inclusão da avaliação pupilar na ECG, retirando pontos do escore final conforme resposta pupilar:
Essa atualização da ECG está validada para pacientes com trauma, mas ainda carece de validação em pacientes clínicos.
A escala de agitação e sedação de Richmond (RASS) é amplamente utilizada para avaliar a agitação e sedação de pacientes, e é uma ferramenta para guiar a dosagem de sedativos (Tabela 5).
Tabela 5 Escala de agitação e sedação de Richmond
Adaptada de Ely E, Truman B, Shintani A, et al. Monitoring sedation status over time in ICU patients: Reliability and validity of the Richmond agitation-sedation scale (RASS). JAMA. 2003;289(22):2983-91.
A BPS é uma escala que pode ser utilizada para avaliar a dor de pacientes incapazes de se comunicar, como intubados (Tabela 6).
Tabela 6 Behavioral Pain Scale
A presença de sinais motores focais, geralmente assimétricos, sugere patologia estrutural do sistema nervoso central com raras exceções. Pode-se avaliar a resposta motora com:
Assim, caracterizam-se alguns padrões motores localizatórios em:
Alterações pupilares podem sugerir a etiologia da alteração do nível de consciência:
A fundoscopia pode revelar achados diagnósticos, como papiledema, em pacientes com hipertensão intracraniana. Apesar de ser um exame importante, infelizmente não é um exame rotineiramente realizado no DE, tanto por falta de material quanto de treinamento do medico emergencista.
O ultrassom point-of-care (POCUS) permite identificar hipertensão intracraniana. O diâmetro do nervo óptico maior do que 5 mm é um bom indicador de aumento da pressão intracraniana (PIC) (Figura 2).
Figura 2 Mensuração da bainha de nervo óptico em paciente com hipertensão intracraniana.
As seguintes anormalidades de padrão respiratório podem ser úteis (Figura 3):
Figura 3 Padrão respiratório.
Alterações de pares cranianos podem estar associadas às alterações do nível de consciência, e a avaliação da motricidade ocular extrínseca faz parte dessa avaliação.
Nos pacientes em coma, excluída lesão em coluna cervical, o exame da motricidade ocular extrínseca deve ser realizado pela manobra dos olhos de boneca ou reflexo oculocefálico (Figura 4). Se os movimentos oculares estiverem preservados, a transição pontomesencefálica estará provavelmente íntegra. Quando existe comprometimento dos movimentos oculares, a etiologia provável é lesão estrutural infratentorial, como lesões de tronco, sejam primárias ou secundárias. Se a alteração é do olhar horizontal, possivelmente a lesão é pontina. Se a alteração é do olhar conjugado vertical, é provável que a lesão seja mesencefálica.
Figura 4 Reflexo oculocefálico.
Existe uma ampla variedade de diagnósticos diferenciais que podem cursar com alteração do nível de consciência. Em cerca de dois terços dos casos, a etiologia é tóxico-metabólica-infecciosa, causando uma encefalopatia difusa.
Pacientes com rebaixamento do nível de consciência e dados sugestivos de lesões focais (p. ex., hemiplegia, disartria ou anisocoria) devem sempre ser submetidos a exame de imagem intracraniano. Com exceção de casos de hipoglicemia, intoxicação, convulsão e uremia (stroke mimic), o achado de encefalopatia focal quase sempre se relaciona a causas estruturais.
A tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste deve ser realizada em todos os casos em que a etiologia do rebaixamento do nível de consciência não é rapidamente identificada por anamnese e exame físico. Em caso de dúvida diagnóstica, a ressonância magnética (RM) de crânio pode ser realizada. Alguns exemplos de achados de imagem nestes pacientes incluem:
Está indicada a realização de punção liquórica (LCR) nos casos em que o diagnóstico não se esclarece com o exame de imagem ou inicialmente em pacientes com suspeita de infecção do sistema nervoso central (SNC). Além de fornecer a medida da pressão intracraniana, a análise do LCR auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas, vasculares (como hemorragia subaracnóidea [HSA]) e neoplásicas do SNC. Em geral, a TC precede a punção do LCR devido ao risco de herniação cerebral com a punção. Por isso, deve-se atentar para a existência de sinais radiológicos de hipertensão intracraniana grave.
A Tabela 7 cita os principais exames laboratoriais indicados na avaliação de pacientes com alteração do nível de consciência.
Tabela 7 Exames complementares em alteração do nível de consciência
INR: razão normatizada internacional.
Na Tabela 8 é resumido o diagnóstico diferencial em pacientes com rebaixamento do nível de consciência.
Tabela 8 Diagnóstico diferencial da alteração do nível de consciência
Por fim, na avaliação do paciente grave no DE, deve-se considerar despir o paciente e buscar ativamente por lesões, controlar a temperatura e afastar corpos estranhos que justifiquem alergias ou intoxicações.
O manejo terapêutico deve ser realizado paralelamente à avaliação diagnóstica do paciente.
A abordagem deve priorizar as vias aéreas, a respiração e a circulação (do inglês, ABC: Airway, Breath, Circulation).
Se houver história ou suspeita de trauma, a coluna vertebral deve ser imobilizada.
A intubação deve ser considerada em pacientes que estão inconscientes a ponto de não se conseguir proteger a via aérea, mantê-la pérvia (por queda de língua, por exemplo) ou que têm respiração ineficaz ou hipoxemia.
Uma das primeiras medidas específicas em pacientes com alteração do nível de consciência é checar a glicemia capilar. Quando não for possível aferi-la rapidamente pode-se empiricamente realizar um bolus endovenoso de 15 g de glicose hipertônica (glicose 50% 3 ampolas IV agora). Em pacientes etilistas ou gravemente desnutridos, o bolus de glicose deve ser precedido por reposição de tiamina 100 mg IV para evitar encefalopatia de Wernicke (caracterizada por confusão mental, ataxia e alterações de motricidade ocular, choque e coma).
Se houver suspeita de hipertensão intracraniana, o paciente deve ser colocado em decúbito dorsal horizontal (DDH) com cabeceira elevada a 30°. Enquanto a avaliação ABC é realizada, deve-se obter acesso intravenoso (IV), oximetria para monitorar a saturação de oxigênio e iniciar a oxigenoterapia se indicado. A hipotensão deve ser inicialmente tratada com ressuscitação volêmica, com a consideração de uso de suporte vasopressor ou inotrópico precoces.
O tratamento específico depende da etiologia do rebaixamento do nível de consciência (RNC) subjacente. Nos casos em que houver suspeita clínica de toxicidade podem ser utilizados antídotos específicos.
Figura 5
O paciente grave na sala de emergência Rodrigo Antonio Brandão Neto, Júlio César Garcia de Alencar, Heraldo Possolo de Souza, Lucas Oliveira Marino, Gustavo…
O paciente grave na sala de emergência Rodrigo Antonio Brandão Neto, Júlio César Garcia de Alencar, Heraldo Possolo de Souza, Lucas Oliveira Marino, Gustavo…