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Hemodinâmica, Choque e Sepse: Dr. Luciano Azevedo comenta os principais artigos publicados em 2023!

Autor: Dr. Luciano de Azevedo

Introdução:

Comentando alguns dos principais artigos publicados no ano de 2023 e exemplificando como a leitura acadêmica pode e deve nos auxiliar na prática médica, o Dr. Luciano Azevedo, neste artigo, concentra suas reflexões em três temas principais: hemodinâmica, choque e sepse. Explore alguns dos estudos contemporâneos fundamentais na área da Medicina Intensiva e compreenda a importância da atualização diária da sua prática profissional.

Este texto foi criado a partir do Webinar Melhores Artigos de Paciente Grave em 2023, ministrado pelo Dr. Luciano Azevedo. É importante ressaltar que, mesmo que todo o conteúdo aqui exposto seja proveniente do webinar, o Dr. Luciano não foi responsável pela construção deste texto. 

 

Sobre a seleção dos artigos:

Em 2023, o número de publicações acadêmicas dentro da área do cuidado ao paciente crítico foi exponencial. Com a grande quantidade de artigos publicados, acompanhar o desenvolvimento de todas as discussões sobre o tema se torna uma tarefa árdua; desse modo, em qualquer atividade como esta que pretendemos aqui, é importante evidenciar os critérios de seleção usados para compilar os artigos. Assim, cito os nomes das principais revistas sobre o cuidado do paciente crítico que foram fontes fundamentais para todos artigos que trabalharemos: England Journal of Medicine, JAMA e Lancet.

Antes de iniciarmos a discussão, dois outros pontos precisam ser esclarecidos. Primeiro, todos os dados apresentados são provenientes de estudos clínicos, assim, desconsideramos os estudos experimentais e pré-clínicos. Por fim, os artigos aqui reunidos passaram, também, por uma seleção subjetiva, ou seja, pessoal. Busquei selecionar artigos que, de alguma forma, contribuíram para a mudança da minha prática médica em 2023, dando atenção principalmente para temas que são mais interessantes na minha visão, como infecção, sepse, hemodinâmica e choque. Me justifico com a afirmação de que a impressão pessoal é de extrema importância na leitura de um estudo científico; quando lemos um artigo estamos querendo encontrar dados, bem organizados e bem elaborados, que consigam corroborar ou refutar as nossas ideias e hipóteses sobre o assunto, ou seja, a nossa impressão pessoal.

 

Hemodinâmica e Choque:

O primeiro estudo a ser comentado será o  artigo “Balanced crystalloids versus saline for critically ill patients (BEST-living): a systematic review and individual patient data meta-analysis”, publicado no Lancet Respiratory Medicine. Este estudo se propõe a fazer uma metanálise dos dados individuais de pacientes críticos, não de apenas pacientes sépticos, mas pacientes críticos em geral, e comparar a utilização de soluções salinas com o uso de outras chamadas cristaloides balanceados, avaliando a mortalidade hospitalar em cada caso. A metanálise comumente se vale dos dados gerais de um estudo, como o número de doentes, o número de eventos, a mortalidade, a presença ou não de insuficiência renal, etc, neste caso, porém, foram utilizados como base seis estudos prospectivos randomizados, que, juntos, formaram o banco de dados para a pesquisa, o que torna o resultado muito mais confiável. Com um quorum de 34.685 pacientes adultos, a metodologia de análise escolhida foi a chamada Análise Bayesiana, que, a partir da definição de algumas premissas pré análise, avalia a probabilidade de determinada intervenção ser benéfica em relação ao controle que se quer comparar.

Como resultado, este estudo confirma algo que já estava em discussão no mundo médico desde 2021, a importância de utilizar soluções com baixo conteúdo de cloro para tratar pacientes com choque circulatório. Para a maioria dos pacientes internados em UTIs, do ponto de vista da ressuscitação volêmica, a utilização de solução balanceada pode se reverter em uma alta probabilidade de benefício, com exceção apenas para pacientes com lesão cerebral traumática ou  trauma crânio encefálico. Nesse grupo específico, usar a solução balanceada foi pior, o benefício da solução salina foi 42% maior, como diferença estatisticamente significante. Isso quer dizer que, na prática, podemos usar a solução balanceada para a imensa maioria dos doentes, já, para os pacientes com trauma crânio encefálico, com lesão cerebral traumática, devemos priorizar a utilização da solução salina.

Agora, direcionando nossa atenção para o tema do uso de hormônio tireoidiano em pacientes doadores de órgãos, vamos observar o artigo “Intravenous Levothyroxine for Unstable Brain-dead Heart Donors”. Com o fato de que pacientes doadores de órgão geralmente apresentam uma redução de hormônio tireoidiano, a ideia deste estudo era observar se com a reposição deste hormônio o transplante cardíaco seria mais bem sucedido e se isso acarretaria em uma sobrevida do enxerto. Esse estudo foi feito em 15 organizações de procura de órgãos dos Estados Unidos, com 840 pacientes doadores de órgãos que tinham que estar instáveis hemodinamicamente, ou seja, tinham que ter uma disfunção cardíaca para justificar a utilização de levotiroxina. A administração de levotiroxina foi feita de forma endovenosa, com 30 microgramas por hora por no mínimo 12 horas. 

Não houve diferença na quantidade de pacientes que foram que receberam vasos opressores nesse estudo, assim como também não houve diferença nos desfechos de maneira geral. Entendemos, então, que a administração de levotiroxina nesta dose endovenosa, com essas características, para esse perfil de pacientes, não se reverte em benefício clinicamente relevante.

 

Sepse:

Voltando para a discussão sobre os dois tipos de soluções, passaremos a nos preocupar especialmente com pacientes com sepse. O artigo “Determinants of fluids use and the association between volume of fluid used and effect of balanced solutions on mortality in critically ill patients: a secondary analysis of the BaSICS trail”, publicada no Intensive Care Medicine, realiza uma análise secundária do estudo BaSICS, utilizando a mesma população do estudo para observar o efeito da solução balanceada de acordo com a quantidade de fluido tomada pelo paciente. O objetivo deste estudo é tentar estabelecer, a partir de dados, uma prioridade entre os pacientes que devem receber solução balanceada em relação à solução salina.

Como resultado deste estudo, percebemos que quanto mais fluido o paciente recebe, especificamente para a população de pacientes sépticos, maior é o benefício da solução balanceada e maior é a mortalidade da solução salina. Ou seja, para pacientes sépticos,  passado o limite de 2500 / 5000 ml de fluido, a mortalidade predita começa a aumentar significativamente quando usada salina em relação à balanceada. É importante reafirmar que este fato é apenas observado no paciente sépticos e não é verdade para indivíduos não sépticos e eletivos. Podemos, com este artigo, chegar a uma conclusão: quanto mais grave é o doente séptico, maior é a possibilidade de benefício da utilização de solução balanceada em relação à solução salina.

Passando agora para um estudo que se preocupa com a forma de administração do fluido, temos o artigo “Early Restrictive or Liberal fluid management for Sepsis-Induced Hypotension”, que compara duas estratégias de ressuscitação volêmica em 60 hospitais dos Estados Unidos, utilizando 1560 pacientes adultos com hipotensão associada à sepse. Neste estudo, após a administração da ressuscitação inicial (30 ml por kg) os pacientes foram randomizados em dois grupos; no primeiro, eles continuavam recebendo fluidos adicionais para qualquer identificação de hipoperfusão, esta estratégia foi chamada de liberal, e no segundo, o fluido só seria administrado nas primeiras 24 horas se o paciente apresentasse alguns sintomas específicos, como um lactato super alto ou um tempo de enchimento capilar muito alterado, esta estratégia recebeu o nome de restritiva.  

Foi observado que a quantidade de drogas vasoativas que os pacientes no grupo restritivo tomaram foi maior do que a dos pacientes do grupo liberal, então, quem recebeu mais fluido recebeu menos droga vasoativa. No que diz respeito ao fluido, durante todo o tratamento o grupo liberal tomou 5,3 litros e o grupo restritivo tomou aproximadamente 3,7 litros. Mesmo com esta diferença razoável na administração de fluido e droga vasoativa, a mortalidade foi muito parecida nos dois grupos, como também o número de dias livres de disfunção orgânica e insuficiência renal, assim sugerindo que as duas estratégias podem ser adotadas nesse cenário específico, pois não há uma diferença tão clinicamente relevante.

A respeito do uso de drogas vasoativas, foram usados, nos dois grupos, cateter de acesso venoso central e periférico. Entre 500 pacientes que receberam droga vasoativa no acesso venoso periférico, houveram apenas três eventos de extravasamento do líquido para região de pele ou de tecido celular subcutâneo, sem uma importância do ponto de vista de desfecho do doente, ou seja, sugerindo que a estratégia de usar acesso venoso periférico pode ser útil no início do tratamento dos pacientes com hipotensão induzida pela sepse. Este último dado acabou sendo confirmado pelo estudo “Use and outcomes of peripheral vasopressors in early sepsis-induced hypotension across Michigan hospitals: a retrospective cohort study”, publicado na revista CHEST. Neste estudo, 67% dos pacientes começaram o seu tratamento por acesso venoso periférico e, destes, mais de 40% nunca precisou puncionar acesso venoso central. Ou seja, o estudo sugere que é possível economizar a punção do acesso venoso central num número grande de pacientes com choque séptico ou com hipotensão induzida pela sepse, principalmente nas primeiras horas de cuidado.

 

Cardiointensivismo:

O artigo “Restrictive or  Liberal transfusion strategy in Myocardial Infarction and Anemia” foi resultado de um estudo que buscou comparar estratégias transfusionais em pacientes com insuficiência coronariana aguda. O indivíduo que chegava com infarto do miocárdio e anemia, em 144 hospitais, era randomizado para receber sangue quando a hemoglobina estivesse por volta de 7 a 8 gramas por decilitro, ou receber sangue para manter a hemoglobina acima de 10 gramas por decilitro. Respectivamente a estratégia restritiva e a estratégia liberal. O desfecho observado foi um desfecho combinado de mortalidade ou infarto em até 30 dias. Nesse cenário, podemos observar que o grupo restritivo ficou com hemoglobina por volta de 8.8 e 8.9 ao longo dos três primeiros dias, ao passo que o grupo liberal ficou com hemoglobina entre 10,1 e 10,5 neste mesmo periodo. Quase todos os pacientes receberam sangue no grupo liberal e 66% do grupo restritivo não precisou receber sangue.

Ao observar as análises de subgrupo e as curvas finais de desfecho temos uma clara tendência de que a estratégia liberal é melhor que a estratégia restritiva, mas esta tendência, do ponto de vista estatístico, não obtém benefício na estatística frequente, esta que é a estatística do P menor que 0,05; neste estudo, o P ficou entre 00,6 e 00,7. Se fizermos uma análise Bayesiana desse estudo, provavelmente demonstraremos que existe uma alta probabilidade da estratégia liberal ser melhor do que a estratégia restritiva para esses pacientes. Então, isso mostra que dependendo da análise estatística que você fizer, os seus resultados podem ter uma tendência, mas você não será capaz de comprovar tal tendência pelo número de pacientes que você que você incluiu, principalmente quando o tamanho do efeito dessa intervenção é muito menor. Mas, o que isso muda na minha prática clínica? Apesar do estudo não ter demonstrado benefício do ponto de vista de P menor que 0,05, eu tenderia, uma vez internado um paciente com um infarto agudo do miocárdio e anemia, entrar com a transfusão para trazer o valor da hemoglobina entre de 9 e 10 gramas por decilitro, que seria exatamente o meio de campo, digamos assim, entre a estratégia restritiva e a estratégia liberal para esses pacientes. 

 

Referências:

A fala do Dr. Luciano Azevedo, como informado na introdução, foi aqui reorganizada e reescrita dentro do modelo de artigo, assim, não se trata de um texto escrito pelo mesmo, porém nenhuma alteração no conteúdo foi realizada. Para mais informações, assista ao Webinar em nosso canal do youtube e confira os cursos ministrados pelo doutor no nosso site. O Dr. Luciano Azevedo é responsável pelo curso UTI em 20 aulas, que oferece as principais informações do cuidado ao paciente grave, e pelos cursos Terapia Intensiva Princípios e Avançado, que pretendem atualizar e aprofundar seus conhecimentos sobre as Unidades de Terapia Intensiva.

 

Conheça o autor:

Dr. Luciano César Pontes de Azevedo é Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (2004) e Pós-doutor em Pacientes Oncológicos Críticos pelo Instituto Nacional de Câncer. Professor Livre-docente da Disciplina Emergências Clínicas da FMUSP. Médico-assistente da UTI do Hospital das Clínicas da FMUSP. Orientador da Pós-graduação (Doutorado) da FMUSP. Editor do livro: Medicina Intensiva – abordagem prática. Médico intensivista e pesquisador do Hospital Sírio-Libanê.

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