Sedação em terapia intensiva: estratégias e sedativos
Antonio Paulo Nassar Junior, Rodrigo Antonio Brandão Neto

Sumário

Estratégias de sedação

  • Diversos estudos, nos últimos anos, têm demonstrado que minimizar o uso de sedativos é benéfico e estratégias de sedação que permitem que o paciente fique desperto são factíveis e benéficas. Além disso, a sedação profunda associa-se a maior tempo de ventilação mecânica e de internação, dissincronia paciente-ventilador, maior incidência de delirium e maior mortalidade. Interessantemente, esses malefícios aparecem mesmo quando a sedação profunda ocorre nas primeiras 48 horas de ventilação mecânica.
  • A maior parte dos pacientes em ventilação mecânica beneficia-se de níveis mais superficiais de sedação, ou seja, um paciente desperto, calmo e colaborativo ou que desperta facilmente ao ter seu nome chamado.
  • O grande desafio é fazer com que as experiências dos pacientes sejam o mínimo traumáticas possíveis, porém ainda seguras.
  • As exceções a essa regra são pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo grave, em que o volume-corrente e a pressão de platô devem ser controlados rigorosamente, ventilação em pacientes com exacerbações graves de asma e controle da pressão intracraniana em pacientes com hipertensão intracraniana.
  • A sedação deve objetivar o conforto do paciente e a prevenção de complicações relacionadas a uma sedação prolongada. Deve-se realizar uma avaliação rotineira e objetiva com o uso de escalas validadas para este fim.
  • As escalas SAS (sedation-agitation scale) e RASS (Richmond agitation-sedation scale) são as que passaram por um processo melhor de validação, apresentam maior concordância interobservador quando usadas por diversos profissionais de terapia intensiva e, portanto, são as mais recomendadas para o uso na prática clínica (Quadros 1 e 2).

Quadro 1 Escala SAS.

SAS: sedation-agitation scale.

Quadro 2 Escala RASS.

RASS: Richmond agitation-sedation scale.

  • Estratégias que minimizem o uso de sedativos são eficazes na redução do tempo de ventilação mecânica, de internação em UTI e hospitalar. Para esse fim, podem-se utilizar protocolos de sedação ou a interrupção diária da sedação.
  • Os protocolos de sedação são algoritmos desenhados para o ajuste de sedativos pela equipe de enfermagem, com um alvo específico, normalmente para deixar o paciente desperto ou com um nível superficial de sedação (isto é, SAS 3 ou 4, RASS -2 a 0). Diversos estudos têm mostrado sua utilidade na redução do tempo de ventilação mecânica.
  • A interrupção diária da sedação é uma intervenção em que os pacientes têm a infusão de sedativos suspensa e mantida até acordarem e serem capazes de obedecer a ordens simples ou até ficarem agitados e desconfortáveis, quando a sedação então é religada em metade da dose anterior e titulada para atingir o conforto do paciente. Seu uso tem sido associado à redução da ventilação mecânica e dos tempos de internação na UTI e no hospital.
  • Os estudos que compararam protocolos de sedação e interrupção diária de sedativos sugeriram que não há superioridade de uma estratégia em relação à outra quanto à duração da ventilação mecânica, da internação na UTI ou internação hospitalar.
  • Uma estratégia de analgesia com morfina e sedação apenas se necessário (a chamada “não sedação”) também não se mostrou superior a uma estratégia de sedação com alvo de RASS -2 a -3.
  • No entanto, apesar de todas as evidências favoráveis à minimização da sedação, a minoria dos pacientes apresenta níveis superficiais de sedação nos primeiros dias de ventilação mecânica.

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Sedativos

Tabela 1 Doses de sedativo.

  • midazolam é um benzodiazepínico e age ao ligar-se a receptores do ácido gama-aminobutírico (GABA) no sistema nervoso central, o que leva à inibição dos impulsos neuronais. Tem atividade sedativa, ansiolítica, anticonvulsivante e de relaxamento muscular. Os benzodiazepínicos impedem a aquisição de novas informações (amnésia anterógrada). Podem ocasionar reações paradoxais, com agitação e agressividade, especialmente em idosos, doença neurológica prévia, casos de abuso e doenças psiquiátricas.
  • O uso prolongado do midazolam (por mais de 48 horas) leva a um acúmulo da droga em tecidos periféricos, gerando um despertar imprevisível quando a infusão contínua é desligada. Tal fato é mais importante em pacientes com insuficiência renal crônica, obesos e hipoalbuminêmicos. Assim, seu uso é recomendado apenas para sedação de curta duração.
  • propofol é um fármaco cujo mecanismo de ação também parece envolver a recepção de receptores GABA no sistema nervoso central. Apresenta propriedades ansiolíticas, sedativas, hipnóticas e anticonvulsivantes. Não apresenta efeito amnésico como os benzodiazepínicos. Por ser lipossolúvel, apresenta início rápido e efeito de curta duração, sendo recomendado para situações que exijam despertar rápido, como avaliação neurológica rotineira.
  • propofol é um derivado fenólico lipofílico que ultrapassa a barreira hematoencefálica rapidamente, com efeito sedativo amnésico sem atividade analgésica com efeito inotrópico negativo e reduz a resistência vascular periférica, causando vasodilatação e, consequentemente, hipotensão. Tem um papel importante no neurointensivismo, pois reduz o metabolismo cerebral e a pressão intracraniana.
  • Quando usado em altas doses (maiores que 5 mg/kg/h) e em infusões prolongadas (superiores a 72 horas), o propofol pode ocasionar um quadro conhecido como “síndrome da infusão do propofol”, que se manifesta por acidose metabólica, hiperlipidemia, arritmias e parada cardiorrespiratória. É um quadro grave, irreversível e sem tratamento disponível.
  • propofol vem diluído em uma emulsão lipídica. Assim, deve-se atentar para o risco de hipertrigliceridemia e infecções. Quanto à primeira, deve-se limitar ao mínimo a dose necessária para sedação do paciente e monitorar os níveis de triglicérides. O uso de frascos fechados e os cuidados na manipulação de cateteres reduzem muito o risco de infecção.
  • dexmedetomidina é um agonista alfa-2 central. Apresenta potencial sedativo e analgésico, com a vantagem de não causar depressão respiratória e permitir um despertar rápido do paciente para avaliação neurológica. Também apresenta distribuição rápida e meia-vida de 2 horas, o que permite rápida titulação para que se alcancem os objetivos de sedação. Por inibir a atividade simpática, a droga se associa à hipotensão e bradicardia.
  • Estudos mais antigos e grandes estudos observacionais sugerem que o propofol reduz o tempo de ventilação mecânica em comparação com o midazolam.
  • dexmedetomidina relaciona-se a um menor tempo até a extubação quando comparada com o midazolam e, possivelmente, a uma menor incidência de delirium. Porém, está ligada a uma maior ocorrência de bradicardia. Em comparação com o propofol, a dexmedetomidina não traz importantes reduções no tempo de ventilação mecânica, mas causa mais bradicardia e hipotensão.
  • cetamina é um derivado da fenciclidina com o efeito peculiar de sedação dissociativa, ou seja, produz um estado de transe. É uma droga única, capaz de prover sedação, analgesia, amnésia e, mesmo assim, preservar os reflexos de proteção das vias aéreas e a respiração espontânea. Apesar de ser um sedativo mais antigo, o interesse em seu uso tem crescido nos últimos anos por sua ação em diversos receptores: opioides (efeito analgésico), anticolinérgico (efeito sedativo), GABA (efeito sedativo), NMDA (efeito antinociceptivo) e liberação de noradrenalina, dopamina e serotonina (efeito adrenérgico).
  • O uso da cetamina está associado a menor ocorrência de hipotensão e redução do consumo de outros sedativos e opioides e, possivelmente, menor ocorrência de delirium. A reação adversa mais frequente, que acomete até 20% dos indivíduos, são manifestações neuropsiquiátricas (desorientação, alucinações).

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Prescrição na prática

  • Exemplo de prescrição (cada caso deve ser avaliado individualmente, e a decisão, tomada pelo médico responsável pelo caso).
    • Midazolam: sedação contínua administrada em doses de 0,05 a 0,1 mg/kg/h. Sugestão de diluição: 10 ampolas (150 mg) de midazolam em 120 mL de soro glicosado (solução com 1 mg/mL de midazolam).
    • Propofol: dose de ataque de 1 a 1,5 mg/kg, seguido de dose de manutenção titulável entre 1 e 3 mg/kg/h. Como se apresenta em veículo lipídico, não há necessidade de diluição, devendo ser administrado de maneira endovenosa.
    • Fentanila: dose de ataque de 0,05 a 0,1 mg/kg e manutenção de 50 a 500 mcg/h.

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Referências

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