Ventilação Mecânica em Pacientes Obesos

Autora: Dra. Roberta Fittipaldi

Introdução:

A ventilação mecânica em pacientes obesos é um desafio constante para os profissionais de saúde devido às diversas complicações associadas à obesidade. A redução da complacência pulmonar, a distribuição heterogênea da ventilação, a hipoventilação alveolar e o aumento do consumo de oxigênio são apenas algumas das dificuldades enfrentadas no manejo desses pacientes. A necessidade de ajustar os parâmetros ventilatórios de forma individualizada, levando em conta as particularidades de cada caso, é crucial para otimizar os resultados clínicos.

Neste texto, vamos explorar as estratégias mais eficazes para a ventilação mecânica em pacientes obesos, discutindo desde o ajuste dos parâmetros ventilatórios até técnicas específicas como a Prona e a aplicação de PEEP. Através de uma análise detalhada e baseada em evidências, esperamos fornecer insights valiosos para aprimorar o manejo e a qualidade do cuidado desses pacientes complexos.

 

Desafios na Ventilação Mecânica em Pacientes Obesos:

  1. Complacência Pulmonar Reduzida: Pacientes obesos geralmente apresentam redução na complacência pulmonar devido ao excesso de tecido adiposo que envolve a parede torácica e o abdômen. Essa adiposidade excessiva limita a expansão pulmonar e aumenta a rigidez da caixa torácica, resultando em volumes pulmonares diminuídos e maior dificuldade na ventilação. Estudos demonstram que pacientes obesos têm uma complacência estática e dinâmica significativamente menor, o que contribui para um trabalho respiratório aumentado e maior esforço ventilatório.
  2. Distribuição Heterogênea da Ventilação: Em pacientes obesos, a compressão desigual das vias aéreas e das regiões pulmonares tende a tornar a distribuição da ventilação mais heterogênea, aumentando o risco de atelectasias e hipoxemia. A obesidade abdominal, em particular, pode causar elevação do diafragma, diminuindo a capacidade residual funcional (CRF) e resultando em colapso alveolar nas regiões dependentes dos pulmões. Essa distribuição ventilatória desigual é exacerbada pela gravidade, especialmente em posições supinas.
  3. Hipoventilação Alveolar: A hipoventilação alveolar é uma complicação comum em pacientes obesos, resultando da resistência aumentada das vias aéreas e da diminuição da força muscular respiratória, especialmente do diafragma. A obesidade pode levar à síndrome da hipoventilação da obesidade (SHO), caracterizada por hipoventilação crônica e hipercapnia. A SHO está associada a uma maior morbidade e mortalidade, destacando a importância de estratégias ventilatórias eficazes.
  4. Aumento do Consumo de Oxigênio e Produção de CO2: Pacientes obesos geralmente apresentam um metabolismo basal elevado, o que resulta em um aumento do consumo de oxigênio e da produção de dióxido de carbono. Esse aumento das demandas metabólicas pode complicar o manejo ventilatório, exigindo ajustes frequentes nos parâmetros ventilatórios para manter a oxigenação e ventilação adequadas.

Estratégias de Ventilação Mecânica:

  1. Ajuste Individualizado dos Parâmetros Ventilatórios: A configuração da ventilação deve ser personalizada com base em uma análise detalhada da gasometria arterial e da mecânica pulmonar de cada paciente. O uso de volumes correntes ajustados ao peso ideal (6-8 mL/kg) é uma prática recomendada para minimizar o risco de lesão pulmonar associada à ventilação. Estudos sugerem que a ventilação com volumes correntes baixos reduz a mortalidade em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo e pode ser benéfica para pacientes obesos.
  2. Posicionamento do Paciente: O posicionamento do paciente em decúbito elevado (posição semi-Fowler) pode melhorar a mecânica respiratória ao reduzir a pressão abdominal sobre o diafragma, facilitando a expansão pulmonar e melhorando a oxigenação. A mudança de posição também pode ajudar a redistribuir a ventilação, reduzindo o risco de atelectasias nas regiões dependentes dos pulmões.
  3. Pressão Positiva ao Final da Expiração: A aplicação de PEEP é crucial para manter a abertura alveolar e melhorar a oxigenação em pacientes obesos. No entanto, deve-se ter cautela para evitar hiperinflação e barotrauma. Estudos indicam que o ajuste cuidadoso da PEEP, com monitoramento contínuo da mecânica respiratória e da oxigenação, é essencial para otimizar benefícios e minimizar riscos.
  4. Monitoramento Contínuo: O monitoramento contínuo da oxigenação, ventilação e mecânica respiratória é fundamental para ajustar as estratégias de ventilação conforme necessário e identificar rapidamente quaisquer complicações. Ferramentas de monitoramento avançadas, como capnografia e monitorização esofágica de pressões, podem fornecer informações valiosas sobre a eficácia da ventilação e a condição pulmonar do paciente.
  5. Consideração de Ventilação Não Invasiva (VNI): Em alguns casos, a ventilação não invasiva pode ser uma opção eficaz para evitar intubação, reduzir complicações associadas à ventilação invasiva e melhorar o conforto do paciente. A VNI pode ser particularmente útil para pacientes obesos que enfrentam exacerbações agudas de insuficiência respiratória crônica ou apneia do sono.

Recrutamento Alveolar e suas Controvérsias:

O recrutamento alveolar continua sendo um tema altamente controverso. Estudos recentes indicam que o recrutamento alveolar não tem um impacto significativo na mortalidade de pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório; assim como em pacientes obesos com insuficiência respiratória de diversas etiologias. Portanto, não utilizamos rotineiramente manobras de recrutamento alveolar nesses pacientes, exceto em casos específicos de SDR.

Prona:

Como o recrutamento alveolar não possui grandes evidências científicas em relação à redução da mortalidade, tanto em pacientes obesos quanto não obesos, uma das principais opções de manobra de resgate é a Prona. Estudos recentes indicam que pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e relação PaO2/FiO2 menor ou igual a 150 apresentam uma redução significativa na taxa de mortalidade quando submetidos à Prona, em comparação com aqueles que não são.

Antigamente, evitava-se realizar Prona em pacientes obesos devido à dificuldade de manuseio desses pacientes. No entanto, atualmente, especialmente após a pandemia de Covid-19, observou-se que a Prona é segura e viável em pacientes obesos. Ela não só melhora a oxigenação, mas também corrige a desproporção entre ventilação e perfusão e aumenta o volume expiratório final, mantendo as unidades alveolares abertas sem a necessidade de PEEPs muito elevadas. Assim como ocorre no recrutamento alveolar.

É importante utilizar coxins para que o abdômen fique o mais pendente possível. Se possível, ventile esses pacientes em pronação com a posição de Trendelenburg reversa para evitar o deslocamento cefálico do diafragma.

 

Estratégia iSTAR:

O Dr. Paolo Pelosi, em um artigo de revisão publicado no Critical Care, propôs uma estratégia abrangente chamada iSTAR. Este guia reúne as melhores práticas para o cuidado de pacientes obesos, focando em técnicas de intubação, pré-oxigenação e ventilação mecânica.

A intubação de pacientes obesos pode ser complexa. A utilização de kits de via aérea difícil é essencial para garantir uma abordagem segura e eficiente. A pré-oxigenação com FiO2 de 100% é recomendada para manter a saturação de oxigênio no nível mais alto possível durante o procedimento.

Para pacientes com SDRA, o volume corrente deve ser mantido entre 4 a 6 ml por quilo de peso ideal. A PEEP (pressão positiva expiratória final) inicial sugerida é de 5 cmH2O, embora possa ser ajustada conforme a necessidade para manter o volume expiratório final. Monitorar os parâmetros de ventilação é crucial, realizando pausas inspiratórias e expiratórias para garantir uma ventilação adequada.

Para aqueles sem SDRA, volumes correntes maiores podem ser utilizados. O objetivo é manter o pH acima de 7,25, permitindo uma leve hipercapnia quando necessário. A PEEP deve ser ajustada para manter uma PaO2 entre 55 a 80 mmHg, resultando em uma saturação de 88 a 92%. Para pacientes obesos com DPOC, uma saturação entre 88 a 92% é aceitável, enquanto para outros pacientes, uma saturação de 92 a 95% pode ser ideal.

Cuidados Adicionais e Estratégias:

Manter a pressão de platô abaixo de 30 cmH2O é fundamental para evitar danos pulmonares. Para pacientes com SDRA, uma pressão de platô menor que 27 cmH2O é recomendada, embora isso possa ser difícil em pacientes obesos. É importante não se fixar em um número específico, mas sim ajustar conforme a mecânica pulmonar e a troca gasosa do paciente.

A estratégia iSTAR sugere a verificação regular da pressão intra-abdominal em pacientes obesos, utilizando uma sonda vesical. Isso ajuda a ajustar a ventilação mecânica de maneira mais precisa, considerando as particularidades fisiológicas desses pacientes. Enquanto as manobras de recrutamento alveolar não mostram uma mudança significativa na mortalidade, a posição Prona tem se mostrado eficaz e segura, especialmente para pacientes com SDRA e obesidade. A ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea) pode ser considerada em casos graves onde as estratégias convencionais falham em melhorar a troca gasosa e estabilizar o paciente.

A estratégia iSTAR oferece um framework detalhado para o manejo de pacientes obesos em ventilação mecânica, integrando as melhores práticas e evidências científicas atuais. Ao seguir estas diretrizes, é possível melhorar significativamente os resultados clínicos e a qualidade do cuidado para esses pacientes complexos. Adotar e adaptar essas estratégias pode fazer toda a diferença no tratamento de pacientes obesos críticos. O constante monitoramento e ajuste dos parâmetros ventilatórios, juntamente com a aplicação de técnicas como a pronação, são passos cruciais para otimizar a ventilação e melhorar a sobrevida desses pacientes.

 

Conclusão:

A ventilação mecânica em pacientes obesos exige uma abordagem cuidadosa e individualizada, levando em consideração os desafios específicos apresentados pela obesidade. A adoção de estratégias ventilatórias ajustadas e baseadas em evidências pode melhorar significativamente os desfechos clínicos e a qualidade de vida desses pacientes. A integração de práticas personalizadas, monitoramento contínuo e ajustes dinâmicos nos parâmetros ventilatórios são essenciais para o sucesso no manejo da ventilação mecânica em pacientes obesos. Para garantir o melhor cuidado possível a essa população desafiadora, é fundamental uma educação continuamente e uma atualização rotineira das práticas clínicas.

 

Conheça a autora:

Dra. Roberta Fittipaldi: Doutora em Pneumologia pela FMUSP. Médica Pneumologista com ênfase em ventilação mecânica, broncofibroscopia e doenças respiratórias. Trabalha atualmente como médica pneumologista no Hospital Israelita Albert Einstein – SP, é Professora na Pós Graduação de Terapia Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein e  Médica Assistente da UTI respiratória INCOR-FMUSP.

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