Transtorno de ansiedade: diagnóstico e tratamento
Daniela Engelender Abreu, Renato Antunes dos Santos, Daniel Costa Guimarães

Sumário

Definição

  • A ansiedade é uma reação positiva – para agir e fazer a diferença diante de uma ameaça.
  • Trata-se de um sintoma humano universal, um mecanismo adaptativo que nos avisa de uma ameaça, um perigo. Caracteriza-se por tensão, apreensão, hipervigilância e envolve respostas fisiológicas como aumento da atividade autonômica.
  • Pode se tornar patológica quando o medo é desproporcional ao risco/gravidade do perigo ou quando a resposta é mantida mesmo sem fator estressor evidente, podendo levar a prejuízos à vida social e ao trabalho, frequentemente associada a outras comorbidades, como transtorno depressivo e uso de substâncias.
  • Os transtornos de ansiedade estão entre os mais prevalentes transtornos psiquiátricos em algumas culturas, sendo relatados, na região Sudeste do Brasil, como a categoria mais prevalente de transtornos dessa natureza. Os transtornos de ansiedade podem ser subdivididos em:
    • Transtorno de ansiedade generalizada.
    • Transtorno do pânico.
    • Fobias específicas.
    • Transtorno de ansiedade social.
  • Como no estresse pós-traumático, diversos transtornos mentais podem cursar com sintomas ansiosos, por vezes graves, afetando a vida do indivíduo acometido.
  • O diagnóstico é feito por intermédio de uma anamnese cuidadosa e exame físico zeloso.

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Diagnóstico

Sinais e sintomas

  • Os transtornos de ansiedade envolvem respostas fisiológicas ao medo e situações de perigo, sendo comumente encontrados:
    • Ansiedade e preocupação excessivas.
    • Dificuldade em controlar a preocupação.
    • Dificuldade em relaxar, tensão muscular, sudorese, sensação de falta de ar, taquipneia induzida e fadiga.
    • Taquicardia e aumento da pressão arterial.
    • Desconforto torácico ou abdominal.
    • Perturbações do sono.
    • Aceleração na velocidade de fala (pressão para falar) e, por vezes, no curso do pensamento.
    • Conteúdo antecipatório negativo, por vezes catastrófico, do pensamento.

Transtorno de ansiedade generalizada

  • Um dos transtornos mentais mais comuns na atenção primária.
  • Acomete aproximadamente 28% dos adultos ao longo da vida, com predomínio em mulheres (2:1).

Quadro clínico

  • Ansiedade e preocupação excessivas com relação a situações da vida que persistem por mais de 6 meses com sintomas psíquicos e somáticos como irritabilidade, fadiga, tensão muscular (não explicada por outras causas), diminuição do sono, dificuldade de concentração.
  • Pode se tornar crônica com flutuações ao longo da vida e piora em períodos de maior estresse, conforme Critérios Diagnósticos DSM-V a seguir:

Fonte: TelessaúdeRS-UFRGS, 2017.

Transtorno do pânico

  • Ocorre em torno de 2% da população geral e até 5% ao longo da vida (predomínio em mulheres).
  • Relação homem:mulher = 1:2-3.
  • Idade média de início na segunda década de vida e raro após 60 anos.
  • Muitas pessoas experimentam ataques de pânico ao longo da vida, caracterizados por surgimento abrupto de medo ou desconforto intenso que atinge o pico em minutos, com sintomas como taquicardia, sudorese, dor torácica, hiperventilação, sensação de falta de ar, tontura.
  • Os ataques de pânico são recorrentes, inesperados e sem motivo aparente, gerando medo e mudanças de comportamento na tentativa de evitar novos ataques, com prejuízos à vida.
  • O diagnóstico é de exclusão, especialmente nos pacientes com sintomas torácicos/cardiológicos. Com frequência causa idas a unidades de emergência, busca por tratamento médico e solicitações de exames, cujos resultados são normais. Essa busca é recorrente até que o diagnóstico correto seja feito.

Fobias

  • Transtorno de ansiedade caracterizado pelo medo clinicamente significativo de um objeto ou situação em particular que normalmente leva ao comportamento de esquiva. Os medos fóbicos incluem animais, insetos, altura, água, locais fechados, dirigir, voar, ver sangue etc.
  • A ansiedade fóbica pode ser desencadeada pela antecipação do estímulo, exposição real ao estímulo e até mesmo ouvindo o nome do estímulo falado em voz alta (p. ex., ouvindo a palavra aranha para um indivíduo com fobia de aranha). O foco do medo pode incluir repulsa, perigo de dano e/ou a experiência de sintomas físicos na situação fóbica.
  • Pode estar presente em até 6% da população ao longo da vida, sendo mais frequente no sexo feminino (2-3:1), comumente com início na infância e adolescência.

Transtorno de ansiedade social

  • Também conhecido como fobia social, é um distúrbio muito comum, caracterizado por medo excessivo, constrangimento e sentimento de humilhação em situações sociais ou de desempenho, levando a um sofrimento psíquico, prejuízo funcional e redução na qualidade de vida, tendendo à cronicidade.
  • A prevalência pode chegar à 12% ao longo da vida, sendo mais comum em mulheres, com início frequente na adolescência.

Quadro 1 Condições de saúde associados a sintomas de ansiedade.

DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; SIADH: síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético.

Fonte: TelessaúdeRS-UFRGS, 2017.

Exames laboratoriais

  • Não existem para ansiedade.
  • De modo geral, os exames estão indicados para afastar situações que podem se confundir ou agravar os sintomas ansiosos, como anemia, asma/doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertireoidismo, taquiarritmias.
    • Hemograma.
    • Função tireoidiana.
    • Eletrocardiograma.
    • Espirometria (quando indicada).
    • Outros.

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Tratamento

Objetivos do tratamento

  • Após o diagnóstico, é necessário avaliar a gravidade do transtorno e o quanto este afeta a qualidade de vida do indivíduo, para determinar se há necessidade de tratamento, de acordo com as preferências e expectativas do paciente.
  • Alguns pacientes com sintomas mais leves podem optar por não iniciar o tratamento medicamentoso, sendo indicado o acompanhamento longitudinal com avaliação de piora da funcionalidade.
  • Há estudos comparando a terapia não farmacológica com a terapia farmacológica, sendo difícil a homogeneização dos dados, devido à dificuldade de cegamento com psicoterapia.
  • A terapia não farmacológica parece ter uma magnitude de efeito mais elevada em pacientes jovens.
  • Alguns pacientes podem hesitar em relação ao tratamento medicamentoso por preconceito ou por medo em relação aos efeitos adversos.
  • A psicoeducação é fundamental em caso de necessidade do uso de fármacos.

Não farmacológico

  • Diversas linhas de psicoterapias podem ser eficazes no tratamento da ansiedade, com destaque para s terapias cognitivo-comportamentais.
  • Estudos mostram efeito melhor com “doses” maiores de psicoterapia e “doses” de manutenção.
  • Avaliar e tratar o uso de substâncias como comorbidades, pois ambos os transtornos podem se alimentar.
  • A terapia de exposição ao estímulo e à dessensibilização é frequentemente utilizada nos casos de fobias.
  • Práticas meditativas, com destaque para o “mindfulness”, são cada vez mais recomendadas, bem como ioga, por diminuírem os níveis de catecolaminas e cortisol, além de trabalharem conjuntamente a respiração, melhorando os sintomas.
  • Desenvolver atividades prazerosas.
  • Exercícios físicos aeróbicos, como corrida e natação, melhoram a sintomatologia.
  • Espiritualidade e religião podem ajudar a fornecer uma estrutura de resiliência para a compreensão do mundo e do eu, promovendo maior tolerância à incerteza, melhor enfrentamento, desenvoltura e otimismo.
  • Retomar atividades que foram anteriormente úteis.
  • Identificar e enfrentar preocupações exageradas ou pensamentos pessimistas.
  • Identificar eventos que desencadeiem preocupação excessiva.
  • Planejar atividades/organizar-se.
  • Psicoeducação:
    • Explicar ao paciente o que ele tem e como funciona o tratamento.
    • Deixar claro que a ansiedade depende de uma soma de fatores como vulnerabilidade genética, estressores ambientais, situações e hábitos de vida.
    • Questionar as expectativas do paciente sobre o tratamento.
    • O que se espera dele no processo de melhora.
    • Investigar barreiras ao tratamento e como ultrapassá-las.
    • Fazer balanço das vantagens e desvantagens de iniciar o tratamento.

Farmacológico

  • Os inibidores da recaptação de serotonina (IRSS) e os inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) costumam ser a primeira linha no tratamento dos transtornos de ansiedade, com pequenas particularidades em relação à dosagem e ao tempo de uso.
  • Normalmente é necessário o uso de doses mais altas e por tempo mais prolongado quando comparados à depressão. Estudos mostram duração de tratamento de 12 meses superior à de 6 meses.
    • Paroxetina: iniciar com 10 mg e manter entre 20 e 40 mg/dia pela manhã.
    • Sertralina: iniciar com 25 mg e manter entre 100 e 200 mg/dia pela manhã.
    • Fluoxetina: iniciar com 5 mg, manter entre 20 e 40 mg/dia pela manhã.
    • Escitalopram: iniciar com 5 mg, manter entre 10 e 20 mg pela manhã.
    • Venlafaxina: iniciar com 37,5 mg e manter entre 75 e 150 mg/dia.
  • Benzodiazepínicos podem ser adjuvantes no tratamento inicial dos transtornos de ansiedade, geralmente apenas no início do tratamento, quando as doses do ISRS estão adequadas. Reduzem rapidamente os sintomas ansiosos, melhorando a resposta dos antidepressivos, porém, pelo seu efeito de tolerância e dependência, devem ser usados com cautela e por curto período ou em momentos de crise.
    • São eficazes, notadamente, nas crises de pânico, pelo rápido efeito em abortar as crises, e ajudam na manutenção da terapêutica com IRSR ou IRSN a longo prazo.
    • Os mais utilizados são:
      • Clonazepam: 0,25 a 0,5 mg, 1 a 2 vezes/dia, podendo ser aumentados até 1 mg, 2 a 3 vezes/dia se necessário.
      • Alprazolam: 0,25 mg, 3 a 4 vezes/dia, podendo ser aumentado até 2 mg/dia, dividido em várias doses.
      • Lorazepam: 0,5 a 1 mg, 3 vezes/dia, inicialmente até 1,5 mg até 4 vezes/dia.
      • Diazepam: 2,5 a 5 mg, 2 vezes/dia até 10 mg, 2 a 4 vezes/dia.
  • Em paciente com transtorno de uso de substâncias, com risco de abuso ou mal uso, hidroxizina ou gabapentina (esta, principalmente, em desordem do uso de álcool, abstinência, desordem de uso de opioides ou cannabis) podem ser utilizadas no lugar de benzodiazepínicos.

Quadro 2 Fármacos associados a sintomas de ansiedade.

Fonte: TelessaúdeRS-UFRGS, 2017.

Figura 1 Abordagem para o tratamento da pessoa com ansiedade.

* Medicamentos para situações específicas. Atividade física, psicoterapia. Estabelecimento de rotinas, pensamentos positivos, relaxamento, sono reparador, viagens de lazer, músicas que auxiliem no relaxamento e sublimação dos pensamentos, meditação, fé/espiritualidade, alimentação saudável.

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Quando solicitar ajuda especializada

  • Na ausência de resposta ou resposta parcial (paciente persiste em sofrimento apesar da adesão).
  • Associação ao uso abusivo, grave, de substâncias.
  • Ideação suicida.

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Referências

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