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Obesidade infantil

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Medicina de Família e Comunidade
Obesidade infantil

A obesidade infantil consolidou-se como um dos maiores desafios de saúde pública no século XXI. Com prevalência crescente em diversos países e impacto direto no risco cardiometabólico na vida adulta, entender seus determinantes é essencial para médicos que atuam na atenção primária, pediatria e medicina de família.

A seguir, reunimos os principais pontos do conhecimento atual sobre definição, epidemiologia e etiologia da obesidade em crianças e adolescentes, com base nas evidências mais recentes.

Como definir obesidade em crianças e adolescentes

Ao contrário do adulto, no qual o IMC utiliza pontos de corte fixos, em crianças e adolescentes a classificação depende do sexo e da idade. O IMC é calculado da mesma forma (kg/m²), mas interpretado com curvas percentílicas específicas.

Os principais pontos são:

  • Sobrepeso: IMC entre o percentil 85 e 95
  • Obesidade classe I: IMC a partir do percentil 95
  •  Obesidade classe II: IMC ≥120% do IMC do percentil 95 ou ≥35 kg/m², o que for menor
  • Obesidade classe III: IMC ≥140% do percentil 95 ou ≥40 kg/m², o que for menor

Esses thresholds são recomendados porque capturam melhor risco cardiometabólico do que o uso exclusivo de Z-score em extremos de IMC. Crianças com obesidade grave tendem a manter o excesso de peso na vida adulta, configurando uma oportunidade crítica de intervenção precoce.

Panorama epidemiológico: onde estamos

Dados norte-americanos mostram que cerca de um terço das crianças e adolescentes apresenta excesso de peso. A prevalência de obesidade triplicou desde os anos 1970 e, embora tenha havido um aparente platô em algumas faixas etárias, a obesidade grave segue aumentando progressivamente.

Tendências importantes:

  • Crianças de 2 a 5 anos: estabilização, porém com retomada de crescimento após 2018
  • Crianças de 6 a 11 anos: aumento expressivo até 2007, seguido de estabilidade
  • Adolescentes: prevalência segue crescendo, sem sinal evidente de platô
  • Obesidade grave: aumento contínuo em todas as faixas etárias

No Brasil, a tendência segue o padrão global: aumento progressivo, especialmente em populações vulneráveis do ponto de vista socioeconômico.

Além disso, o impacto da pandemia de COVID-19 foi marcante: diversas coortes no mundo mostraram aceleração da curva de ganho de peso, sobretudo em crianças de 5 a 11 anos.

 

Etiologia da obesidade infantil: multifatorial e complexa

A obesidade não é resultado de uma única causa. O fenômeno decorre da interação entre predisposição genética, ambiente obesogênico e determinantes sociais. Entre os principais fatores estão:

1. Ambiente e comportamento

Responsáveis pela maior parte dos casos, incluem:

  • Consumo elevado de bebidas açucaradas
  • Maior densidade calórica da dieta e porções ampliadas
  • Redução da atividade física estruturada
  • Sedentarismo associado a horas de tela
  • Sono insuficiente ou irregular
  • Baixa disponibilidade de espaços seguros para brincar
  • Hábito alimentar familiar e marketing de alimentos ultraprocessados

Estudos robustos mostram, por exemplo, que reduzir bebidas açucaradas diminui ganho de peso, que o excesso de telas aumenta ingestão alimentar e que rotinas familiares regulares protegem do desenvolvimento de obesidade.

 

2. Fatores genéticos e biológicos

Embora representem uma fração menor dos casos, são importantes quando há início precoce, hiperfagia intensa, obesidade grave ou história familiar carregada.

  • Polimorfismos comuns explicam até 40–85% da variância do IMC
  • Mutação no gene do receptor da melanocortina (MC4R) é a monogênica mais prevalente
  • Síndromes genéticas (Prader-Willi, Bardet-Biedl etc.) são raras, mas devem ser investigadas quando há fenótipo compatível
  • Crianças com pais obesos têm risco 2 a 3 vezes maior de obesidade

3. Distúrbios endócrinos

Apenas cerca de 1% das crianças com obesidade apresentam causa endócrina. Geralmente, nesses casos, a obesidade vem acompanhada de baixa estatura ou desaceleração do crescimento.

As principais condições:

  • Hipotireoidismo
  • Deficiência de GH
  • Cushing
  • Pseudohipoparatiroidismo
  • Obesidade hipotalâmica (pós-cirurgia ou tumores)

 

4. Metabolic programming: influência gestacional e perinatal

Exposição intrauterina e fatores precoces de vida influenciam risco metabólico futuro:

  • Diabetes materno e obesidade antes da gestação aumentam risco de obesidade nos filhos
  • Baixo ou alto peso ao nascer associam-se a resistência insulínica e obesidade futura
  • Crescimento acelerado no primeiro ano de vida é forte preditor de obesidade
  • Aleitamento materno pode ter efeito protetor modesto
  • Fórmulas com menor teor proteico reduzem risco de obesidade em escolares
  • Prematuros apresentam maior risco de desfechos metabólicos desfavoráveis quando têm catch-up acelerado

 

Implicações para a prática médica

Reconhecer o espectro de fatores envolvidos é essencial para conduzir um cuidado integral. Estratégias efetivas incluem:

  • Diagnóstico precoce, já na primeira infância
  • Avaliação do ambiente familiar e rotinas 
  • Intervenções comportamentais estruturadas
  • Manejo multiprofissional
  • Triagem adequada para comorbidades
  • Investigação dirigida quando há suspeita de causas monogênicas ou endócrinas

A atuação do médico na APS, no ambulatório de pediatria ou na atenção especializada é decisiva para modificar trajetórias que, sem intervenção, tendem a se perpetuar por toda a vida.

 

Referência

UpToDate. Definition, epidemiology, and etiology of obesity in children and adolescents. Literature review current through Oct 2025. 

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