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Lesões por pressão no idoso: diagnóstico e tratamento

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Soft Skills na medicina
Lesões por pressão no idoso: diagnóstico e tratamento
Por: Lígia Carvalheiro Fernandes, Daniel Costa Guimarães

Definição e fatores de risco

● A terminologia atual “lesão por pressão” foi recentemente atualizada pela National Pressure Injury Advisory Panel (NPIAP), em substituição ao termo “úlcera por pressão”, visto que o primeiro estágio dessa afecção não está associado à ulceração da pele, bem como a lesão por pressão de tecido profundo pode ocorrer sem ulceração da pele sobrejacente. ● Adicionalmente, o termo generalizado “lesão por pressão” não aborda os muitos outros tipos de lesão que podem resultar da pressão, como rabdomiólise em um paciente inconsciente, podendo, portanto, ser utilizado como alternativa e melhor especificidade o termo “lesão induzida por pressão da pele e tecidos moles”, que abrange a ampla gama de danos isquêmicos possivelmente causados por pressão prolongada. ● Tais lesões são áreas de danos localizados na pele e/ou tecido subjacente, geralmente sobre uma proeminência óssea, como resultado de pressão ou pressão em combinação com cisalhamento (por exemplo, sacro, calcâneo, ísquio). ● As lesões por pressão causam dor, diminuem a qualidade de vida e levam a morbidade significativa e hospitalização prolongada, em parte devido à infecção complicada. ● Há muitos fatores de risco para o desenvolvimento de lesões de pele e tecidos moles, e estes podem ser divididos entre aqueles que afetam a magnitude e a duração da pressão e aqueles que afetam a suscetibilidade e tolerância individuais. Os fatores mais importantes incluem imobilidade, desnutrição, perfusão reduzida, perda sensorial, cisalhamento, fricção, doença cerebrovascular, incontinência urinária, fraturas recentes de membros inferiores e diabete.

Diagnóstico

● O diagnóstico inicia-se com a avaliação clínica do indivíduo, busca por fatores de risco e características da lesão quanto ao estadiamento, comprimento, largura, profundidade, coloração, sinais flogísticos, sensibilidade, presença de tecidos desvitalizados, exsudato, tratos sinusais (túneis), odor e sinais de infecção (mesmo sem sinais sistêmicos), uma vez que essas lesões são potenciais reservatórios para organismos resistentes, como Staphylococcus aureus resistente à meticilina, enterococos resistentes à vancomicina e bacilos Gram negativos multirresistentes. ● O estadiamento do NPIAP e do European Pressure Injury Advisory Panel (EPIAP) são semelhantes, exceto para a presença de suspeita de lesão de tecido profundo e úlceras instáveis. ● Conforme o estadiamento do NPIAP, tais lesões podem ser classificadas, conforme segue:

* Exceto tom roxo e marrom, que podem indicar lesão por pressão do tecido profundo.

** Esse estágio não deve ser usado para descrever danos à pele associados à umidade (MASD), incluindo dermatite associada à incontinência (IAD), dermatite intertriginosa (ITD), lesão cutânea relacionada ao adesivo médico (MARSI) ou feridas traumáticas (rasgos na pele, queimaduras, abrasões). *** Se a descamação ou escara obscurecer a extensão da perda de tecido, esta é uma lesão por pressão instável.

Figura 1 Lesão por pressão, estágios 1, 2, 3 e 4, respectivamente.

Fonte: adaptada de National Pressure Injury Advisory Panel – NPIAP.

Figura 2 Lesão por pressão instável ou não classificável, recoberta com necrose ou necrose/esfacelo.

Fonte: adaptada de National Pressure Injury Advisory Panel – NPIAP.

Figura 3 Lesão por pressão de tecido profundo.

Fonte: adaptada de National Pressure Injury Advisory Panel – NPIAP.

● Ainda que numa ferida haja porções relativas a estágios diferentes, ela deve ser

tratada de acordo com sua extensão mais profunda. ● Ressalta-se que a profundidade de uma lesão por pressão de estágio 4 também varia de acordo com a localização anatômica. Tal como acontece com as úlceras de estágio 3, a ponte do nariz, orelha, occipital e maléolo não têm tecido subcutâneo, e as úlceras de estágio 4 nesses locais podem ser superficiais. A extensão das úlceras de estágio 4 é frequentemente subestimada devido ao enfraquecimento e formação de fístula; um defeito cutâneo superficial relativamente pequeno pode mascarar uma necrose profunda extensa do tecido.

Diagnóstico diferencial

● Úlceras relacionadas a diabete, insuficiência arterial ou insuficiência venosa; no entanto, estas também predispõem ao desenvolvimento de lesão induzida por pressão. ● Outras condições que causam eritema cutâneo, como a celulite. [voltar para o início]

Tratamento

Avaliação de risco na admissão

● As ferramentas de previsão mais comumente usadas são as escalas de Norton e Braden. É importante reconhecer que essas ferramentas de avaliação de risco cobrem apenas uma gama limitada de fatores de risco. Elas são mais bem usadas em conjunto com o julgamento clínico, sendo esse não inferior à avaliação pelas escalas. ● A escala de Norton usa um sistema de pontuação de 1 a 4 para classificar os pacientes em cada uma das cinco subescalas: condição física, condição mental, atividade, mobilidade e incontinência. Uma pontuação < 14 é indicativa de alto risco.

Escala de Norton

Escala de Braden

A escala de Braden classifica os pacientes em seis subescalas (calculadora 1): percepção sensorial, umidade, atividade, mobilidade, nutrição e fricção e cisalhamento usando pontuações que variam de 1 a 3 ou 4. ● Escore ≤ 12 = risco alto/muito alto, escore 13 e 14 = risco moderado, escore 15 a 18 = risco leve e escore ≥ 19 = sem risco. ● Uma limitação é que a confiabilidade interobservador é baixa, a menos que o exame seja realizado por equipe treinada. Embora essas escalas tenham sido validadas, a sensibilidade normalmente varia de 70% a 90%, e a especificidade, de 60% a 80% por cento.

Cuidados gerais

● A condição da pele deve ser inspecionada e documentada diariamente, incluindo dados como temperatura da pele, cor, turgor, estado de umidade e integridade. ● Manter a pele limpa e seca, evitando ressecamento e descamação excessiva, é o objetivo principal. ● A limpeza da pele deve ser feita com um agente de limpeza com pH balanceado que minimize a irritação. A água quente deve ser evitada. ● A pele nas proeminências ósseas deve ser hidratada com, por exemplo, loção contendo ácidos graxos, mas massagem sobre tais regiões são desaconselhadas. ● Para pacientes incontinentes, é importante proteger a pele da exposição constante à urina ou fezes.

Algoritmo

Figura 4 Algortimo para tratamento das lesões por pressão no idoso.

Pontos importantes do tratamento

● O tratamento específico é orientado pelo estágio da lesão cutânea, conforme o estadiamento do NPIAP:

** No entanto, amolecimento ou desbridamento acentuado geralmente não é recomendado para escara estável (ou seja, seca, aderente, intacta sem eritema ou flutuação) sobre o calcanhar, particularmente no cenário de perfusão reduzida, devido à proximidade do osso.

Desbridamento ● O tecido necrótico promove o crescimento bacteriano e prejudica a cicatrização de feridas. O desbridamento (mecânico, cirúrgico, enzimático) é um componente- padrão do tratamento básico da ferida. ● Lesões de pele nos estágios 1 e 2 não têm tecido necrótico e, portanto, na maioria dos casos, não requerem desbridamento. ● Lesões nos estágios 3 e 4 podem exigir desbridamento se houver tecido necrótico. Uma ferida de estágio 3 ou 4 de granulação saudável não requer desbridamento. ● Uma lesão instável ou uma área de suspeita de lesão de tecido profundo exigirá desbridamento para remover o tecido necrótico (descamação ou escara) que está impedindo a determinação da profundidade da lesão. ● Para pequenas descamações de tecido e exsudato na base de uma ferida, não está claro se alguma forma particular de desbridamento não cirúrgico (por exemplo, mecânico, enzimático, biológico) oferece alguma vantagem clara.

Alternância de posição ● A alterância do posicionamento do indivíduo, evitando a friccção e o cisalhamento, é essencial, visto que reduz a pressão da interface e mantém a microcirculação em áreas de risco para pele induzida por pressão e lesão de tecidos moles. ● A frequência de reposicionamento deve ser baseada na consideração do nível de atividade de um indivíduo e na capacidade de se reposicionar independentemente. Normalmente, um intervalo de 2 horas é recomendado para reposicionamento, no entanto intervalos menores podem ser necessários caso os fatores de riscos estejamm acumulados no cenário. ● A espasticidade severa pode ser aliviada com drogas relaxantes musculares ou bloqueio de nervo, porém os medicamentos que contribuem para a imobilidade, como sedativos, devem ser limitados.

Nutrição favorável ● A menos que haja uma contraindicação, os indivíduos com risco de desenvolver lesão induzida por pressão na pele e nos tecidos moles devem ingerir aproximadamente 1,2 a 1,5 g de proteínas por quilograma de peso corporal por dia. ● Pacientes com lesões de pele e tecidos moles induzidas por pressão estão em um estado catabólico crônico. Otimizar, além da ingesta proteica, a ingestão calórica total é importante, particularmente para pacientes com lesões de pressão nos estágios 3 e 4. ● Se a ingestão oral não for adequada para garantir calorias, proteínas, vitaminas e minerais suficientes, a suplementação nutricional com nutrição enteral ou parenteral (de acordo com as capacidades da unidade de saúde) é recomendada para corrigir as deficiências. ● Não há dados que sustentem a necessidade de suplementação nutricional para pacientes que não têm deficiências nutricionais. Da mesma forma, a suplementação com vitamina C e zinco é comumente usada para promover a cura, mas sua eficácia não foi mostrada de forma conclusiva.

Curativos para feridas

● Os curativos servem para proteger a ferida de contaminação e facilitar a cicatrização, absorvendo o exsudato e protegendo as superfícies de cicatrização. O excesso de fluido causa maceração da ferida, enquanto a dessecação diminui a migração das células epiteliais. ● Um curativo absorvente deve ser usado para evitar o acúmulo de fluido crônico na ferida que pode macerar a ferida e inibir a proliferação celular e a cicatrização, como espumas e alginatos. ● As feridas desidratadas não têm fluidos, que fornecem fatores de crescimento do tecido para facilitar a reepitelização. A cicatrização de lesões induzidas por pressão é promovida por curativos que mantêm um ambiente úmido da ferida, ao mesmo tempo que mantêm seca a pele circundante intacta. As opções para uma ferida seca incluem gaze umedecida com solução salina, filmes transparentes, hidrocoloides e hidrogéis. ● Uma variedade de procedimentos operatórios está disponível, e a escolha depende das características do paciente, local da úlcera e experiência cirúrgica disponível. ● O fechamento direto da ferida geralmente não é possível; portanto, a cobertura da ferida envolve o uso de enxerto de pele, retalho de pele ou retalho miocutâneo, geralmente como um procedimento em etapas. Antes da colocação do enxerto ou retalho, a ferida deve estar livre de tecido desvitalizado e infecção, e os fatores do paciente que predispõem ao desenvolvimento de lesões induzidas por pressão devem ser corrigidos quando possível. ● A colostomia, que desvia as fezes, é outra opção se o local estiver sujeito a contaminação fecal. No entanto, esse procedimento pode estar associado a uma alta taxa de complicações em pacientes idosos frágeis, e sua eficácia é questionável.

Tabela 1 Curativos para feridas, indicação e cuidados.

LPP: lesões por pressão.

Terapias adjuvantes

● Existe uma variedade de terapias adjuvantes, mas com eficácia ainda incerta, a ser testada conforme avaliação do profissional, tais como: ○ Terapia de pressão negativa para feridas (NPWT). ○ Oxigenoterapia hiperbárica (OHB). ○ Ultrassom. ○ Estimulação elétrica. ○ Becaplermin® gel. ○ Aplicação de plasma rico em plaquetas.

Monitoramento

● Os seguintes parâmetros de cuidado devem ser monitorados diariamente e documentados: ○ Avaliação da úlcera. ○ Status do curativo, se presente. ○ Status da área ao redor da úlcera. ○ Presença de dor e adequação do controle da dor. ○ Presença de possíveis complicações, como infecção.

Escalas de cicatrização

● O progresso na cicatrização é mais bem descrito por escalas que capturam mudanças na área de superfície, extensão do tecido necrótico e exsudato e a presença de tecido de granulação. ● Uma série de escalas está disponível para uso no monitoramento e na documentação da cicatrização de feridas, incluindo as ferramentas Status da Ferida por Pressão (PSST), a escala de cura de feridas e a Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH). A ferramenta PUSH, projetada para ser usada em conjunto com o NPIAP Staging System, é a mais prontamente aplicada. Essa escala foi validada, é fácil de usar e se mostrou útil na condução desses casos. ● Dadas as diferenças entre os sistemas de estadiamento disponíveis, a escala de cura usada deve ser explicitamente descrita para facilitar a comunicação eficaz entre os profissionais responsáveis por pacientes com lesões induzidas por pressão. O treinamento no uso dessas escalas também é necessário para garantir que a vigilância das úlceras seja organizada de maneira consistente.

Caso clínico

● J. M. F., sexo feminino, 72 anos, acamado, portador de incontinência urinária, internado na clínica médica por febre a esclarecer. À inspeção da pele, observaram-se hiperemia em região sacral que não embranquece ao toque, com dor local e escala de dor com pontuação 3, calcâneo direito com lesão ulcerada até o subcutêneo, sem atingir a fáscia com esfacelo e secreção abundante esverdeada. Escala de Braden 14, temperatura: 37,9 °C, PA 129 x 86 mmHg, FC 115 bpm. ● O caso apresenta, claramente, fatores predisponentes à ocorrência da lesão por pressão, como imobilidade e incontinência urinária (umidade). Adicionalmente, já é portador de dois estágios distintos da lesão: estágio 1 na região sacral, em que não há ulceração, mas característica hiperemiada persistente, e estágio 3 no calcâneo, haja vista o limite da profundidade atingida. Infecção presente nesse local demonstrada pela secreção esverdeada e abundante somada à febre. ● Cuidados iniciais a serem prescritos: ○ Utilização de dispositivos de alívio de pressão (coxins) em calcâneos. ○ Mudança de decúbito, minimamente a cada 2 horas, sem cisalhamento, evitando a região sacral. ○ Elevação discreta do decúbito (até 30°), evitando pressão excessiva na região sacral. ○ Avaliação da dor 2 x/dia e medicação com analgésico não opioide, enquanto dor leve. ○ Higiene diária e sempre que necessária, com manutenção da pele hidratada, sem massagem nas proeminências ósseas. ○ Troca de fralda, conforme a demanda. ○ Uso de filme transparente na região sacral com troca em cerca de 3 dias. ○ Uso de curativo de carvão ativado no calcâneo direito com cobertura secundária de gaze e tela protetora elástica, com troca diária (ou até 3 dias), dependendo da saturação aparente. ○ Avaliar necessidade de antibioticoterapia com cobertura para S. aureus. ○ Quando a secreção esverdeada altera de cor e quantidade, trocar o curativo por hidrocoloide, a cada 3 dias, ou por saturação visível da cobertura, sem necessidade de curativo secundário. ○ Solicitar avaliação nutricional.

Referências

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