Distúrbios hidroeletrolíticos – hiponatremia: diagnóstico e tratamento
Rodrigo Antonio Brandão Neto

Sumário

Introdução

  • A hiponatremia é definida como a concentração de sódio < 135 mEq/L. Representa o distúrbio hidroeletrolítico mais comum em pacientes internados, ocorrendo em 15% a 30% dos pacientes internados.
  • Concentrações de Na < 138 mEq/L em pacientes internados são associadas a piores desfechos.

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Etiologia e fisiopatologia

  • A hiponatremia é na maioria das vezes causada por alteração do balanço hídrico com excesso de água corporal em relação ao sódio.
  • O desenvolvimento hiponatremia requer algum grau inabilidade de suprimir a secreção de hormônio antidiurético (ADH).
  • Para ser considerada verdadeira, a hiponatremia precisa estar associada à hipotonicidade. A osmolaridade efetiva pode ser calculada pela seguinte fórmula:
    • Osmolaridade efetiva = 2 x (Na) + glicemia/18
    • Valor de referência: 275-285 mOsm/kg.
  • Mudanças na osmolaridade podem causar alterações neurológicas com deslocamento de água para o cérebro, resultando em edema cerebral. No intuito de proteger o tecido cerebral dessas alterações, há produção e liberação para o meio extracelular dos osmóis idiogênicos. Essa secreção demora cerca de 48 horas.
  • A hiponatremia pode ser dividida conforme a sua tonicidade. A hiponatremia verdadeira é necessariamente hipotônica; assim, temos hiponatremia hipertônica e hipernatremia isotônica.

Hiponatremia hipertônica (Osm > 295 mOsm/L)

  • Nestes casos, a hiponatremia é causada por diluição em razão da osmolaridade aumentada secundária à presença de outros solutos.
  • A maior causa deste tipo de hiponatremia são as grandes hiperglicemias.

Hiponatremia isotônica (Osm 280-295 mOsm/L)

  • São as chamadas pseudo-hiponatremias, que são artefatos na medição do sódio. O soro usualmente contém 7% de fase sólida por volume. Para reduzir o volume de sangue necessário para análise, o soro é diluído antes de sua mensuração. Se a fase sólida é aumentada, a mesma quantidade de diluente resulta em maior diluição levando à mensuração incorreta da natremia.
  • São condições que podem levar à pseudo-hiponatremia:
    • Proteínas séricas (paraproteinemias como no mieloma e na hiperbilirrubinemia, imunoglobulinas).
    • Hipertrigliceridemia.

Hiponatremia hipotônica (Osm < 280 mOsm/L)

  • Representam as hiponatremias verdadeiras. Estes tipos de hiponatremia podem ainda ser divididos, conforme o estado volêmico do paciente, em normovolêmico, hipovolêmico e hipervolêmico. As etiologias são especificadas nas Quadros 1, 2 e 3.

Quadro 1 Hiponatremia hipovolêmica (redução do volume extracelular).

Quadro 2 Hiponatremia hipervolêmica (aumento do volume extracelular).

Quadro 3 Hiponatremia euvolêmica (volume extracelular normal).

  • Medicações associadas à hiponatremia incluem:
  • A perda renal de sódio tem sido documentada em pacientes com distúrbios intracranianos, como hemorragia subaracnóidea. Essa perda renal de sal é denominada síndrome cerebral perdedora de sal, e níveis aumentados de peptídeo natriurético cerebral têm sido implicados em sua patogênese.
  • A hiponatremia associada com insuficiência cardíaca grave e cirrose é um preditor independente de mortalidade nesses pacientes.
  • Pacientes em uso de 3,4 metileno-dioxi-metilanfetamina podem cursar com hiponatremia grave decorrente da síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH) e aumento da sede. A hiponatremia costuma ser de rápida instalação, com sintomas graves como convulsões e coma.
  • A SIADH é a mais importante causa de hiponatremia euvolêmica. A secreção de ADH pode estar aumentada pela produção hipofisária ou ectópica. As principais características da SIADH são:
    • Hiponatremia hipotônica (Osm < 275 mOsm/kg).
    • Sem sinais de hipovolemia.
    • Sódio urinário aumentado (natriurese > 40 mEq/L ou 20-30 mmol/L).
    • Hipouricemia.
    • Creatinina normal ou baixa.
    • Ausência de outras causas claras de hiponatremia.
  • A SIADH pode apresentar múltiplas etiologias. Entre elas, devem-se citar:
    • Neoplasias malignas (carcinomas, principalmente o de pulmão, leucemia, linfoma, timoma etc.).
    • Distúrbios do sistema nervoso central (infecções, trauma, tumores e porfiria).
    • Doenças pulmonares (tuberculose, pneumonia, infecções fúngicas, abscesso pulmonar, ventilação mecânica).
    • Medicações (antidepressivos, clofibrato, carbamazepina etc.).

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Diagnóstico

Achados clínicos

  • As manifestações clínicas dependem da velocidade de instalação da hiponatremia e de sua gravidade. A hiponatremia pode ser classificada em:
    • Aguda: < 48 horas de instalação.
    • Crônica: > 48 horas de instalação.
  • Pode ser classificada ainda, em relação aos níveis de sódio, em:
    • Leve: 130-135 mEq/L.
    • Moderada: 125-129 mEq/L.
    • Grave: < 125 mEq/L.
  • Pacientes com formas leves de hiponatremia podem apresentar sintomas como mal-estar e náuseas. Com a piora, podem ocorrer cefaleia, letargia e obnubilação, até coma e convulsões.
  • Sintomas moderados incluem:
    • Náuseas sem vômitos.
    • Confusão mental.
    • Cefaleia.
  • Sintomas graves:
    • Vômitos (se secundários à hiponatremia).
    • Desconforto respiratório.
    • Sonolência anormal ou excessiva.
    • Convulsões.
    • Coma (escala de Glasgow < 8).

Exames complementares

  • Devem ser mensurados o sódio e o potássio e avaliada a função renal com a dosagem de ureia e creatinina.
  • Em pacientes com hiponatremia hipovolêmica, a dosagem de sódio urinário pode orientar se as perdas de sódio são renais ou extrarrenais (sódio urinário > 30 mEq/L indica perdas renais e valores inferiores indicam perdas extrarrenais).
  • Em pacientes com perdas renais de sódio, pode-se suspeitar de insuficiência adrenal primária e a dosagem de cortisol ou o teste da cortrosina pode ser útil.
  • Em pacientes com hiponatremia hipervolêmica, as hipóteses diagnósticas incluem insuficiência cardíaca (IC), cirrose e síndrome nefrótica; assim, devem ser realizados os exames apropriados para essas condições.
  • Em pacientes com hiponatremia euvolêmica, podem ser úteis a dosagem de cortisol, TSH e exames para descartar SIADH, que incluem sódio urinário, ácido úrico, potássio e função renal.
  • Na investigação diagnóstica, temos alguns passos:
    • Sendo detectada a hiponatremia, deve-se solicitar aferição da glicemia capilar, a fim de excluir hiponatremia hipertônica induzida por hiperglicemia. Lembrar de corrigir o sódio sérico para o efeito da glicemia, o que consiste em 1,6 a 2 mEq/L de sódio sérico para cada aumento de 100 mg/dL da glicemia acima de 100 mg/dL.
    • Deve-se verificar se existem outras causas possíveis de hiponatremia hipertônica ou isotônica, como uso de soluções hipotônicas, uso de soluções como manitol, paraproteínas e grandes dislipidemias.
    • Em caso de dúvida da presença de hiponatremia hipotônica, realizar dosagem direta da osmolaridade.
    • Deve-se descartar o uso de medicações com os diuréticos tiazídicos.
    • Em pacientes hipervolêmicos sem disfunção renal, deve-se avaliar a presença de insuficiência cardíaca, cirrose e síndrome nefrótica.
    • Em pacientes hipovolêmicos, deve-se verificar o sódio urinário:
      • Sódio urinário < 25-30 mEq/L sugere perdas extrarrenais de sódio, como gastrointestinais ou para o terceiro espaço.
      • Sódio urinário > 40 mEq/L sugere perdas renais de sódio, como insuficiência adrenal (déficit de cortisol e aldosterona), síndrome cerebral perdedora de sal e perdas por diuréticos.
  • Nos pacientes euvolêmicos, deve-se verificar o sódio urinário e a osmolaridade urinária:
    • Sódio urinário < 25 mEq/L e osmolaridade urinária < 100 mOsm/L sugerem que o paciente tem ADH adequadamente suprimido e nesses casos deve-se pesquisar polidipsia primária ou uso de ecstasy.
    • Se sódio urinário > 40 mEq/L e osmolaridade urinária > 100 mOsm/L, deve-se realizar pesquisa para deficiência de glicocorticoide com cortisol sérico da manhã e teste da estimulação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), e para hipotireoidismo com TSH.
  • Pesquisar SIADH.

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Tratamento

  • O tratamento da hiponatremia depende da velocidade de instalação e gravidade dos sintomas e níveis de sódio (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1 Tratamento da hiponatremia aguda.

Tabela 2 Hiponatremia crônica.

IC: insuficiência cardíaca; IV: intravenoso; SNC: sistema nervoso central.

  • Pacientes com hiponatremia grave podem receber 50-150 mL de solução salina hipertônica 3% em alíquotas de 50 mL e repetir a cada 20-30 minutos até melhora clínica (máximo de 150 mL). A diretriz americana recomenda repetir 100 mL até 3 vezes.
  • Pode-se considerar o uso de furosemida em pacientes hipervolêmicos.
  • Após o uso da solução salina hipertônica, deve-se diminuir o ritmo de correção do sódio para que não ultrapasse 8-9 mEq/L em 24 horas, a fim de evitar a síndrome de desmielinização osmótica.
  • Deve-se monitorar o sódio sérico a cada 2 horas.
  • Considera-se tratar desta forma pacientes com Na < 120 mEq/L, Na< 125 mEq/L em pacientes sintomáticos.
  • O uso de desmopressina pode ser considerado em pacientes com hiponatremia muito grave, com risco de hipercorreção como etilistas inveterados, hipocalemia associada, má nutrição e hepatopatia, para evitar correção exagerada. Não é recomendada esta conduta de rotina.
  • Outros pacientes devem ser tratados de forma convencional, sendo pontos importantes:
    • Preparar a solução que será infundida; recomenda-se que a correção seja feita com solução salina a 3%, que pode ser 445 mL de soro fisiológico 0,9% + 55 mL de NaCl 20% = 500 mL NaCl 3%. A cada 1 mL/kg de solução de NaCl 3% infundida, o sódio sérico se eleva em 1 mEq/L.
  • Em pacientes com SIADH, é particularmente importante realizar restrição hídrica, pois reposição volêmica com soluções fisiológicas tende a piorar a hiponatremia e mesmo reposição com solução salina a 3% pode não corrigir a hiponatremia.
  • Outras opções terapêuticas para SIADH incluem o bloqueio da ação do ADH nos dutos coletores (carbonato de lítio ou demeclociclina e, mais recentemente, os vaptanos que bloqueiam os receptores de ADH). Outra opção pouco utilizada é a fludrocortisona.
  • Pacientes com hiponatremia com sintomas moderados ou graves têm indicação de internação hospitalar, assim como pacientes com sódio < 125 mEq/L.
  • Deve-se evitar a correção rápida dos níveis de sódio pelo risco de síndrome de desmielinização osmótica. Pacientes com correção da natremia > 10-12 mEq/L por dia estão sob risco, principalmente se essa velocidade de correção for mantida por mais de 24 horas. O quadro clínico usual é o de acometimento de tronco com tetraplegia, paralisia pseudobulbar, coma e múltiplos pares cranianos acometidos. Na ressonância magnética aparecem imagens de mielinólise pontina com tronco cerebral de coloração branca.
  • Uma meta-análise de 2024 mostrou maior mortalidade em pacientes com correção lenta de hiponatremia (< 12 mEq/L em 24 horas), achado contraintuitivo em relação as recomendações usuais de tratamento. Nesse momento, não se recomenda correções mais rápidas.

Algoritmo para a abordagem simplificada da hiponatremia no pronto-socorro

ACTH: hormônio adrenocorticotrófico; IC: insuficiência cardíaca; TSH: hormônio tireoestimulante; SIAD: síndrome da antidiurese inapropriada.

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Prescrição na prática

  • Exemplo de prescrição (cada caso deve ser avaliado individualmente e a decisão deve ser tomada pelo médico responsável pelo caso).
  • Em hiponatremia com sintomas neurológicos agudos:
    • Bolus de 50 a 100 mL de salina hipertônica 3% até melhora dos sintomas (bolus podem ser repetidos até 3 vezes).
  • Em hiponatremia moderada:
    • Usar solução salina 3% com infusão lenta calculada para variar de 8 a 9 mEq/L em 24 horas.

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Referências

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  2. Ayus JC, Moritz ML, Fuentes NA, Mejia JR, Alfonso JM, Shin S, et al. Correction Rates and Clinical Outcomes in Hospitalized Adults With Severe Hyponatremia: A Systematic Review and Meta-Analysis. JAMA Intern Med. 2025;185(1):38-51.
  3. Hoorn EJ, Zietse R. Diagnosis and treatment of hyponatremia: Compilation of the guidelines. J Am Soc Neprol. 2017;28(5):1340-9.
  4. Sbardella E, Isidori AM, Arnaldi G, Arosio M, Barone C, Benso A, et al. Approach to hyponatremia according to the clinical setting: Consensus statement from the Italian Society of Endocrinology (SIE), Italian Society of Nephrology (SIN), and Italian association of Medical Oncology (AIOM). J Endocrinol Invest. 2018;41(1):3-19.
  5. Spasovski G, Vanholder R, Allolio B, Annane D, Ball S, Bichet D, et al. Clinical practice guidelines on diagnosis and treatment of hyponatremia. Nephro Dyal Transplant. 2014;29(1): i1-i39.
  6. Sterns RH. Disorders of plasma sodium – Causes, consequences, and correction. N Engl J Med. 2015;372(1):55-65.

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