Anafilaxia aguda: diagnóstico e tratamento
Rodrigo Antonio Brandão Neto

 

Pontos importantes

  • A anafilaxia é uma reação de hipersensibilidade sistêmica grave que pode incluir hipotensão ou comprometimento das vias aéreas, podendo causar complicações graves que incluem a morte.
  • A reação anafilactoide, por sua vez, descreve as respostas clinicamente indistinguíveis da anafilaxia, que não são IgE mediadas, e que não necessitam de uma exposição sensibilizadora.
  • O choque anafilático é representando por colapso cardiovascular e fluxo sanguíneo insuficiente.
  • A incidência estimada é de 4-50 casos a cada 100 mil habitantes ao ano, sendo responsável por 1 a cada 250 internações nos Estados Unidos.
  • Alimentos e medicações são as causas mais comuns de anafilaxia. Entre as medicações, os antibióticos beta-lactâmicos são a maior causa.
  • A definição da Organização Mundial de Saúde em 2021 definiu anafilaxia como uma reação de hipersensibilidade sistêmica grave e ameaçadora à vida, com início rápido com acometimento de vias aéreas, respiração ou circulação e geralmente, mas não sempre, associada a alterações de pele e mucosa.

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Fisiopatologia e etiologia

  • O mecanismo básico é a degranulação de mastócitos e liberação de mediadores por basófilos.
  • A reação pode ocorrer com dois mecanismos predominantes, uma reação dependente de IgE e outra independente de IgE (anafilactoide).
  • Principais fatores etiológicos de anafilaxia:
    • Drogas – 13-20%.
    • Alimentos e aditivos – 33-34%.
    • Picadas de insetos Hymenoptera – 14%.
    • Exercício – 7%.
    • Imunoterapia – 3%.
    • Látex – < 1%.
    • Nenhuma causa identificada – 19-37%.

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Diagnóstico

Manifestações clínicas

  • A maioria dos pacientes que desenvolvem manifestações graves as apresenta em até 60 minutos da exposição, sendo o tempo mais rápido com medicações e mais lento com uso de alimentos.
  • O quadro clínico pode seguir um curso unifásico ou bifásico; neste segundo caso, os sintomas desaparecem ou apresentam melhora parcial, para retornarem cerca de 1 a 8 horas após. Esse período pode se estender até 24 horas. O padrão bifásico ocorre em 20 a 25% dos casos.
  • As manifestações podem envolver sistemas respiratório, cardiovascular, gastrointestinal e neurológico, sendo o mais comum o envolvimento cutâneo que ocorre entre 85% e 90% dos casos.
  • Os sintomas respiratórios incluem sintomas de vias aéreas superiores como coriza, espirros, prurido nasal e, em suas formas graves, estridor, disfonia e rouquidão, mas também envolvem vias aéreas inferiores com sintomas como dispneia, sibilos e outros achados de broncoespasmo e hipoxemia.
  • O choque anafilático inicialmente se manifesta por taquicardia e diminuição da resistência vascular sistêmica, posteriormente pelo aumento da permeabilidade capilar com hipovolemia.
  • Sintomas gastrointestinais ocorrem em 30% a 45% dos casos, também podem ser proeminentes e incluem náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal, usualmente na forma de cólica.

Manifestações clínicas da anafilaxia

  • Pele, mucosa e tecido subcutâneo (80-90%):
    • Urticaria.
    • Angioedema.
    • Rubor facial.
    • Prurido – periorbitário, lábios, língua, palato, ouvido externo, genitália, palmas e plantas.
    • Rash morbiliforme.
  • Respiratório (70%):
    • Rinorreia, congestão, espirros.
    • Estridor.
    • Disfonia.
    • Dispneia.
    • Sensação de opressão torácica.
    • Aperto torácico.
    • Broncoespasmo.
    • Cianose.
  • Cardiovascular (45%):
    • Dor torácica.
    • Taquicardia.
    • Bradicardia.
    • Hipotensão.
    • Disritmia.
    • Parada cardíaca.
  • Gastrointestinal (45%):
    • Dor abdominal.
    • Náusea e vômito.
    • Diarreia.
  • Sistema nervoso central (15%):
    • Sensação de morte iminente.
    • Alteração de nível de consciência.
    • Tontura.
    • Confusão.
    • Cefaleia.

Critérios diagnósticos

  • O diagnóstico de anafilaxia é feito pela história e pelo exame físico com critérios específicos sumarizados a seguir.
  • Critério 1:
    • Início agudo de doença (minutos a horas) com envolvimento da pele, mucosa e pelo menos um dos seguintes:
      • Comprometimento respiratório: dispneia, broncoespasmo, estridor ou hipoxemia.
      • Hipotensão ou sintomas de disfunção de órgão-alvo (hipotonia, síncope).
  • Critério 2:
    • Dois ou mais dos seguintes que ocorrem agudamente (minutos a horas) após exposição a alérgeno:
      • Envolvimento da mucosa ou pele (urticaria, angioedema, prurido).
      • Comprometimento respiratório.
      • Hipotensão ou sintomas de disfunção de órgão-alvo.
      • Sintomas gastrointestinais persistentes: dor abdominal e vômitos.
  • Critério 3:
    • Hipotensão arterial após exposição a alérgeno conhecido (minutos a horas).
    • Crianças: pressão baixa de acordo com a idade ou queda de 30% da sistólica.
    • Adultos: sistólica abaixo de 90 mmHg ou queda de 30% do basal do paciente.

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Tratamento

  • É essencial o reconhecimento da gravidade e manejo rápido da anafilaxia e suas complicações.
  • O primeiro passo é evitar o fator precipitante, como interromper a infusão de medicação que iniciou o quadro anafilático.
  • O manejo no departamento de emergência começa com o ABC primário (vias aéreas, respiração, circulação) e manobras de reanimação conforme a necessidade. Deve-se obter um acesso venoso.
  • Proteger a via aérea é a primeira prioridade. Deve-se suplementar oxigênio suficiente para manter a saturação arterial de oxigênio > 92%.
  • adrenalina, em pacientes com sinais de comprometimento cardiovascular, pode ser usada por via intravenosa, em uma diluição de 1:100.000. Isso pode ser feito colocando-se epinefrina 0,1 mg (0,1 mL de diluição de 1:1.000) em 10 mL de solução e infundindo em 5 a 10 minutos (uma taxa de 1 a 2 mL/min).
  • Na maioria dos casos, a preferência é pela via intramuscular. A dose é de 0,3 a 0,5 mg (0,3 a 0,5 mL da diluição 1:1.000), repetida a cada 5 a 10 minutos, de acordo com a resposta ou recidiva. Se o paciente é refratário a adrenalina intramuscular, uma infusão de adrenalina endovenosa deve ser iniciada.
  • Caso hipotensão esteja presente, pode-se realizar reanimação com líquidos cristaloides com 1 a 2 L (10 a 20 mL/kg em crianças) concomitantemente com a infusão de epinefrina em dose de 1 a 10 mcg/min, titulando a dose conforme resposta clínica.
  • Todos os pacientes com anafilaxia devem receber corticosteroides. Metilprednisolona 1-2 mg/kg em crianças, até dose máxima de 125 mg ou hidrocortisona em dose de 200 a 300 mg por via intravenosa (5 a 10 mg/kg em crianças até dose máxima de 300 mg), são apropriadas.
  • A maioria dos pacientes com anafilaxia recebe anti-histamínicos, mas seu benefício é limitado a manifestações cutâneas. Uma opção é a difenidramina 25 a 50 mg por via intravenosa.
  • O uso de bloqueadores H2 pode ter benefício em pacientes com urticária e manifestações cutâneas associadas.
  • Se broncoespasmo está presente, o uso de broncodilatadores é indicado.
  • O uso concomitante de betabloqueadores é um fator de risco para anafilaxia grave prolongada. Nesse caso o glucagon deve ser usado numa dose de 1 mg por via intravenosa a cada 5 minutos, até que resolve a hipotensão, seguido por uma infusão de 5 a 15 mcg/ min.
  • Na alta hospitalar, deve-se lembrar de encaminhar esses pacientes para acompanhamento e elaborar planos para reduzirem a recorrência, frequência e gravidade de episódios futuros.
  • Deve-se priorizar as vias aéreas e administração precoce nestes pacientes. O protocolo AMAX4 foi sugerido para estes pacientes.

Tratamento resumido da anafilaxia

  1. Retirar fator precipitante (alérgeno).
  2. Monitorização hemodinâmica e observação de vias aéreas.
  3. O2 em alto fluxo 8-10 L/minuto até verificação de SaO2 > 92%.
  4. Se necessário, garantir via aérea definitiva, usando indução em sequência rápida, e usar baixo limiar para indicação de via aérea definitiva.
  5. Adrenalina IM 0,3 a 0,5 mg (0,3 a 0,5 mL da diluição 1:1.000, repetida a cada 5 a 10 minutos, de acordo com a resposta ou recidiva (maioria dos pacientes responde com dose única).
  6. Adrenalina IV: apenas se sem resposta com dose IM, usar 0,1 mg (ou 1:10.000). Para isso, dilui-se 1 ampola de adrenalina de 1 mg para 10 mL e faz-se 1 mL).
  7. Se o paciente é refratário ao bolus inicial, a infusão de epinefrina pode ser iniciada colocando epinefrina 1 mg (1 mL de diluição de 1:1.000) em 500 mL de dextrose ou solução fisiológica em uma taxa de infusão de 0,5 a 2 mL/min, titulando-se o efeito.
  8. Se paciente hipotenso, reposição volêmica 1 a 2 L de solução cristaloide em 1 hora.
  9. Considerar associação de vasopressores se choque refratário.
  10. Glicocorticoides para evitar fase tardia: metilprednisolona 1-2 mg/kg em crianças; até dose máxima de 125 mg ou hidrocortisona 200 a 300 mg por via intravenosa (5 a 10 mg/kg em crianças até dose máxima de 300 mg). Na alta (pacientes com manifestações cutâneas persistentes), manter prednisona de 40 mg por 3 a 5 dias.
  11. Considerar anti-histamínicos: difenidramina 25 a 50 mg IV e ranitidina 50 mg IV.
  12. Se broncoespasmo: usar broncodilatadores como fenoterol 100-250 mcg IN e ipratrópio 250-500 mcg IN.
  13. Se broncoespasmo grave: sulfato de magnésio 2 g IV durante 20 a 30 minutos em adultos e 25 a 50 mg/kg em crianças.
  14. Se uso de betabloqueadores, considerar o uso de glucagon na dose de 1 mg IV a cada 5 minutos até que resolve a hipotensão, seguido por uma infusão de 5 a 15 mcg/min.

Prescrição na prática

  • Prescrição inicial:
    • Adrenalina 0,5 mg IM, imediatamente.
    • Hidrocortisona 200 mg EV agora, se paciente sem choque e melhor, prednisona 40 mg VO agora.

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Algoritmo

* Considerar intubação precoce.

IM: intramuscular; IV: intravenoso.

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Referências

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  4. Muraro A, Roberts G, Worm M, Bilò MB, Brockow K, Rivas MF, et al. Anaphylaxis: Guidelines from the European Academy of Allergy and Clinical Immunology. Allergy. 2014;69(8):1026-45.
  5. Sampson HA, Muñoz-Furlong A, Campbell RL, Adkinson Jr NF, Bock SA, Branum A et al. Second symposium on the definition and management of anaphylaxis: summary report–Second National Institute of Allergy and Infectious Disease/Food Allergy and Anaphylaxis Network symposium. J Allergy Clin Immunol. 2006;117(2):391-7.
  6. Sánchez-Borges M, Asero R, Ansotegui IJ, Baiardini I, Bernstein JA, Canonica GW, et al. Diagnosis and treatment of urticaria and angioedema: a worldwide perspective. World Allergy Organ J. 2012;5(11):125-47.
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