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Síndrome do intestino irritável: diagnóstico e tratamento
Adriano Meyer-Pflug

 

Introdução

  • A síndrome do intestino irritável (SII) possui prevalência de 21% na América do Sul. É uma doença crônica, que altera a qualidade de vida, cuja intensidade dos sintomas varia ao longo do tempo – e apenas 1/3 dos pacientes apresenta melhora significativa do quadro.
  • Muitas doenças estão associadas à SII, como fibromialgia, dispepsia, depressão e ansiedade, provavelmente por compartilhar a patogênese.
  • Os pacientes podem valorizar seus sintomas, devido a experiências negativas de doenças graves na família ou mesmo para chamar a atenção dos familiares. Os pacientes com menor suporte social e maior tensão emocional são os que mais procuram atendimento médico.
  • As pressões sociais e os médicos que solicitam exames desnecessários, prescrevendo remédios com pouca eficiência, não acolhendo os pacientes, só pioram o quadro crônico dessas pessoas.

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Diagnóstico

  • O diagnóstico é clínico e dispensa exames subsidiários, sendo baseado na presença de dor abdominal recorrente, pelo menos três vezes por mês, nos 3 últimos meses, associado a dois de três sintomas:
    • Melhora com a evacuação.
    • Alteração da frequência da evacuação.
    • Alteração da consistência das fezes. Ela pode se manifestar com espectro de constipação, diarreia ou misto.
  • A distensão abdominal – mesmo que seja apenas a sensação –, flatulência, mudança do padrão de dor abdominal e piora com alguns alimentos específicos são características comuns.
  • Solicitar hemograma para descartar anemia.
  • Em pacientes com diarreia, a dosagem de antitransglutaminase IgA sérica (diagnóstico diferencial com doença celíaca), proteína C reativa sérica e pesquisa de calprotectina nas fezes (para diagnóstico diferencial com doença inflamatória intestinal) são válidas se houver suspeita clínica.
  • A pesquisa de intolerância a lactose, seja tradicional ou por meio de teste molecular, é recomendado como rotina.

Indicação de colonoscopia

  • O diagnóstico diferencial com neoplasia é pertinente, devendo ser realizada colonoscopia nas seguintes situações:
    • Acima de 50 anos.
    • Piora progressiva dos sintomas.
    • Perda de peso não intencional.
    • História familiar de neoplasia.
    • Sangramento intestinal.
    • Anemia ferropriva.

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Tratamento

Relação médico-paciente

  • Construção de relação médico-paciente por meio de 12 passos:
  1. Aumentar a satisfação do paciente e seu engajamento. Contato visual constante, tom acolhedor da voz, fazer aceno positivo com a cabeça, possibilitar a interação.
  2. Anamnese não estereotipada, centrada no paciente. Ouvir atentamente, fazer as perguntas em gancho com o discurso do paciente.
  3. Determinar o motivo imediato da visita. Tentar identificar fatores de exacerbação, como novos medicamentos ou alteração da dieta, perda familiar, revés financeiro, exacerbação de quadro ansioso, prejuízo das atividades sociais, abuso de medicamentos como laxativos.
  4. Exame físico para aprofundar a relação médico-paciente.
  5. Certificar-se do entendimento do paciente sobre sua doença, assim como suas principais preocupações.
  6. Explicar a patogênese da doença em uma linguagem coerente com a realidade do paciente.
  7. Responder realisticamente com as expectativas do paciente por melhora.
  8. Prover a ligação entre estressores e piora dos sintomas. Não só tentar relacionar, por exemplo, o abuso de álcool ou a cobrança pelo cumprimento de metas no trabalho com a piora dos sintomas, mas como a piora dos sintomas pode prejudicar seu desempenho, tal qual uma “bola de neve”.
  9. Definir limites. Por exemplo, o abuso de narcóticos pode levar a piora do quadro.
  10. Envolver o paciente no paciente, dando o maior número de opções possíveis.
  11. Atentar-se para as queixas do paciente e direcionar o tratamento especificamente. Por exemplo, antidepressivos para dor.
  12. Estabelecer uma relação duradoura. Avisar sobre recaídas e mudanças na estratégia.

Mudança no estilo de vida

  • A atividade física regular é capaz de regular o peristaltismo do cólon.
  • Restrição dos FODMAP (fermentáveis, oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis). Exemplos: frutas (abacate, manga, sucos, frutas desidratadas), principalmente na forma de sucos; legumes (cebola, alho, repolho, couve, aspargo); leguminosas (feijão, sucos de soja); laticínios; adoçantes e derivados do trigo. Como opção, os alimentos derivados do leite sem lactose e as massas sem glúten, é uma estratégia válida.
  • A adição de fibras é fundamental ao tratamento. Há várias marcas disponíveis à base de psyllium (Plantago ovata forssk) ou inulina.
  • Substituição de medicamentos que exacerbam a doença: anti-inflamatórios, cálcio, antibióticos, neurolépticos (antidepressivos, antipsicóticos, antiparkinsonianos), anti-hipertensivos (bloqueadores do canal de cálcio ou diuréticos), metformina e opioides.
  • A alimentação deve ser devagar, mastigando bem os alimentos. O paciente deve se observar algumas vezes sem os talheres nas mãos durante a refeição (pausas).
  • Importante também não trabalhar enquanto se alimenta. Mesmo que por pouco tempo, esse momento deve ser de descanso.
  • Após a alimentação, recomenda-se andar, ao invés de descansar. O hábito típico dos italianos se chama passeggiata.

Medicamentos

  • Para controle da diarreia, a loperamida é a primeira escolha, por não estar relacionada com dependência medicamentosa. Em casos mais refratários, o tratamento empírico com quelante de ácido biliar (colestiramina) pode ser benéfico. Outra opção é o antagonista 5-HT3, como o ondasentrona.
  • Para controle da constipação, o mais recomendado é polietilenoglicol. A prucaloprida (agonista 5-HT4) em idosos é uma alternativa.
  • Para controle do reflexo gastrocólico aumentado, distensão abdominal pós-prandial e fezes amolecidas, o uso de escopolamina ou pinavério é recomendável.
  • Os probióticos demonstram efeito benéfico no controle de alguns sintomas, porém a evidência científica é baixa.
  • Para o tratamento das formas graves, antidepressivos tricíclicos (por exemplo, amitriptilina) para os pacientes com tendência a diarreia ou insônia e inibidores da captação de serotonina (por exemplo, fluoxetina) para pacientes com constipação e ansiedade.

Terapia comportamental

  • Terapias como psicoeducação, terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia psicodinâmica, hipnoterapia, terapia de relaxamento, meditação, assim como medicina alternativa (exemplo: acupuntura), podem exercer benefício principalmente em pacientes com quadro ansioso exacerbado associado.

Gravidade

Leve

  • Qualidade de vida boa, sem prejuízo profissional, estresse psicológico controlável.
    • Tratamento:
      • Educação: explicar que é uma doença crônica, reacional a diversos tipos de eventos estressantes, assim como dietas ou medicamentos. Explicar a patogênese da afecção e sua não associação oncológica ou evolução para alterações anatômicas.
      • Resseguro. Certificar-se de que o paciente teve todas as suas dúvidas respondidas.
      • Restrição dos FODMAP e medicamentos que exacerbam a doença. Incentivar o consumo de fibras e hidratação.

Figura 1 Alimentos FODMAP.

Fonte: Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral.

Moderada

  • Já se nota prejuízo social, como falta no trabalho, na escola ou em eventos sociais. A relação dos sintomas é mais próxima de eventos como abuso alimentar, viagens e experiências estressantes.
    • Tratamento:
      • Todos itens da forma leve.
      • Monitoramento dos sintomas. Construção de um diário de sintomas, incentivando o paciente na participação do tratamento e sensação de controle da doença, além de ajudar na identificação de gatilhos alimentares ou sociais.
      • Sintomáticos. Reguladores da motilidade intestinal, antiespasmódicos. Suplementos com fibras.
      • Terapia. Desenvolvimento de atividades para controle da ansiedade. Psicoterapia, acupuntura, prática religiosa, meditação etc.

Grave

  • Associado a dificuldades psicossociais, incluindo ansiedade, depressão, distúrbios de personalidade e prejuízo funcional diário crônico. Muitos possuem antecedentes de perda ou abuso, conexões sociais limitadas, dificuldade de enfrentamento da vida e vitimização.
    • Tratamento:
      • Todos os itens da forma leve e moderada.
      • Construção sólida de uma relação médico-paciente. Realização precisa de exames subsidiários, traçar objetivos tangíveis de melhora, dividir a responsabilidade do tratamento com o paciente, abrindo opções de tratamento.
      • Antidepressivos, principalmente para controle álgico e da ansiedade. Pregabalina é uma alternativa válida.

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Algoritmos

Figura 2 Algoritmo para investigação diagnóstica em pacientes com síndrome do intestino irritável.

Figura 3 Algoritmo para tratamento da síndrome do intestino irritável.

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Prescrição na prática

  • Exemplo prescrição (cada caso deve ser avaliado individualmente, e a decisão deve ser tomada pelo médico responsável pelo caso).
    • Dieta com restrição de FODMAP e aumento de ingestão de fibras.
    • Plantago ovata forssk (psyllium): uma colher de sobremesa em 240 mL de água ou outro líquido, de 1-3 x/dia.
    • Inulina: diluir 1-3 sachês em líquidos ou nos alimentos, 2 x/dia.
    • Em casos de diarreia: loperamida – tomar 2 comprimidos de 2 mg, seguidos de 1 comprimido, após cada subsequente evacuação líquida, até uma dose diária máxima de 8 comprimidos (16 mg).
    • Em casos de diarreia: ondasentrona – colocar debaixo da língua, comprimido de 4 mg até 3 x/dia.
    • Em casos de diarreia mais refratária: colestiramina (quelante de ácido biliar) – diluir 4 g de colestiramina com líquidos, 3 x/dia.
    • Para controle da constipação: polietilenoglicol – dissolução completa de dois envelopes de 14 g em um copo (240 mL) de água.
    • Para controle da constipação: prucaloprida – 1 comprimido de 1 ou 2 mg, 1 x/dia, por no mínimo 1 mês de tratamento.
    • Para controle do reflexo gastrocólico aumentado, distensão abdominal pós-prandial e fezes amolecidas: escopolamina – 1 a 2 drágeas de 10 mg, 3 a 5 x/dia.
    • Em casos graves, com espectro diarreico: amitriptilina (antidepressivos tricíclicos) – tomar 1 a 2 comprimidos de 25 mg, 1 x/dia.
    • Em casos graves, com espectro de constipação: fluoxetina (inibidores da captação de serotonina) – 1 comprimido de 20 mg, 1 x/dia.

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Referências

  1. Camilleri M. Management Options for Irritable Bowel Syndrome. Mayo Clin Proc. 2018;93(12):1858-72.
  2. Chey WD, Kurlander J, Eswaran S. Irritable bowel syndrome: a clinical review. JAMA. 2015;313(9):949-58.
  3. Drossman DA. Functional Gastrointestinal Disorders: History, Pathophysiology, Clinical Features and Rome IV. Gastroenterology 2016;S0016-5085(16)00223-7.
  4. Hetterich L, Stengel A. Psychotherapeutic Interventions in Irritable Bowel Syndrome. Front Psychiatry. 2020;11:286.

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