Voltar para o blog

O que é neurossífilis e por que ela ainda desafia os médicos?

15 min de leitura
2.5k visualizações
Clínica Médica
O que é neurossífilis e por que ela ainda desafia os médicos?

A neurossífilis é uma infecção do sistema nervoso central causada pelo Treponema pallidum. Saiba como identificar, diagnosticar e tratar essa condição que pode simular AVC, demência e psicose.

O que é neurossífilis e por que ela ainda é um desafio clínico?

A neurossífilis é a infecção do sistema nervoso central pelo Treponema pallidum, a mesma bactéria responsável pela sífilis.

Ela pode se manifestar em qualquer fase da infecção, desde os estágios iniciais até os mais tardios — e é justamente essa imprevisibilidade que torna o diagnóstico um desafio até hoje.

Onde ocorre o comprometimento

  • Líquor
  • Meninges
  • Vasos cerebrais

 

A extensão do comprometimento

Já nas fases tardias, a infecção se estende ao parênquima cerebral e medular, levando a formas graves como:

  • Paralisia geral progressiva (também conhecida como general paralysis of the insane)
  • Tabes dorsalis

Apesar de ser uma doença conhecida há séculos, a neurossífilis voltou a crescer junto ao aumento global de casos de sífilis. E o alerta é duplo: seus sintomas podem imitar outras condições neurológicas, como AVC, esclerose múltipla, demência ou psicose.

 

Quais sinais clínicos levantam suspeita de neurossífilis?

 Neurossífilis precoce

  • Meningite assintomática ou sintomática
  • Síndrome meningovascular (causando AVC isquêmico em jovens)

Neurossífilis tardia

  • Demência progressiva, alterações de personalidade, mania ou psicose
  • Tabes dorsalis: dor lancinante nos membros, incontinência urinária, ataxia sensitiva e pupilas de Argyll Robertson — “acomodam, mas não reagem”

⚠️ Atenção: nem todo paciente com neurossífilis apresenta lesões cutâneas ou história clara de sífilis recente.

 

Diagnóstico: como confirmar o caso?

O diagnóstico é feito principalmente por punção lombar com análise do líquor, associando dados clínicos e laboratoriais.

Os principais achados incluem

  • VDRL no líquor: teste específico, mas pouco sensível
  • Pleocitose linfocítica e hiperproteinorraquia
  • Testes treponêmicos positivos

O médico deve sempre considerar a neurossífilis diante de sintomas neurológicos inexplicados, especialmente em pacientes com histórico de ISTs.

 

Tratamento: o padrão-ouro ainda é a penicilina

O tratamento ideal:

  • Penicilina G cristalina intravenosa por 10 a 14 dias

Para pacientes alérgicos

  • Ceftriaxona, como alternativa temporária
  • Dessensibilização à penicilina, para garantir o tratamento de escolha

Após o tratamento, é necessário monitorar o líquor a cada 6 meses até sua normalização. O início precoce do tratamento é decisivo para evitar sequelas neurológicas permanentes.

A neurossífilis não é uma doença do passado. Ela continua presente nos consultórios e emergências, muitas vezes travestida de quadros neurológicos ou psiquiátricos comuns. Pensar em neurossífilis pode ser o ponto de virada entre reverter o quadro ou permitir uma deterioração irreversível.

 

Referências

  1. Hamill MM, Ghanem KG, Tuddenham S. State-of-the-Art Review: Neurosyphilis. Clin Infect Dis. 2024;78:e57.
  2. Wu S, Ye F, Wang Y, Li D. Neurosyphilis: insights into its pathogenesis, susceptibility, diagnosis, treatment, and prevention. Front Neurol. 2023;14:1340321.
  3. Lukehart SA, Hook EW 3rd, Baker-Zander SA, et al. Invasion of the central nervous system by Treponema pallidum: implications for diagnosis and treatment. Ann Intern Med. 1988;109:855.
  4. Rolfs RT, Joesoef MR, Hendershot EF, et al. A randomized trial of enhanced therapy for early syphilis in patients with and without HIV infection. N Engl J Med. 1997;337:307.
  5. Marra C, Sahi S, Tantalo L, et al. Enhanced molecular typing of Treponema pallidum: geographical distribution of strain types and association with neurosyphilis. J Infect Dis. 2010;202:1380.
  6. Merritt HH, Adams RD, Solomon HC. Neurosyphilis. Oxford University Press, New York, 1946.
  7. Moore JE, Hopkins H. Asymptomatic neurosyphilis. JAMA. 1930;95:1637.

Confira os artigos relacionados de