Tontura no idoso: diagnóstico e tratamento
Luis Gustavo Cattai Zamboni, Daniel Costa Guimarães

 

Pontos-chave

  • A tontura no idoso pode acometer até 44% da população acima dos 60 anos e, dentro destes, gerar algum grau de incapacidade de até 32%.
  • Por ter diversas causas, deve ser investigada de modo direcionado, não sendo incomum a associação de múltiplas causas.
  • Deve ser tratada conforme a causa e, independentemente dela, deve ser feita uma avaliação metabólica e audiológica, estimulando medidas não medicamentosas como princípio de tratamento (dieta, atividades físicas etc.).

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Diagnóstico

Anamnese

  • A história clínica deve ser abrangente, porém buscando sempre direcionar para as hipóteses diagnósticas mais condizentes. Ao identificar o tipo de tontura do paciente, já se pode direcionar melhor a investigação. Para tal, vale a pena iniciar a abordagem classificando a tontura em um destes quatro grupos:
    • Vertigem: sensação de movimento rotacional sem movimentação da cabeça.
    • Desequilíbrio: incapacidade de conduzir a marcha ou até mesmo de manter a posição ortostática.
    • Síncope ou pré-síncope: perda transitória de consciência ou queda acompanhada de baixa visual aguda.
    • Lightheadness: alteração sensorial com diversas apresentações, como flutuação, cabeça cheia ou pesada, entre outros.
  • O segundo passo é identificar a relação temporal da tontura: se o início é abrupto ou progressivo, o tempo de instalação (pode variar de horas a anos), a duração de cada episódio e a frequência com que ocorre. A terceira etapa é identificar possíveis fatores causais associados ao evento (como correlações posicionais). Com esses três passos iniciais, já deve ser possível identificar as possíveis etiologias e direcionar a história para a principal hipótese. Outras questões que devem ser interrogadas são:
    • Comorbidades e uso de medicamentos.
    • Presença de sintomas auditivos (hipoacusia, zumbido e plenitude auricular).
    • Cefaleia e dor cervical.
    • Presença de quedas causadas pela tontura.
    • Hábitos de vida (alimentação, sono, prática de atividades físicas).
    • Estresse e ansiedade.

Exame físico

  • O exame físico é completamente acessório à história clínica, pois nessa etapa o que se faz é confirmar a hipótese diagnóstica levantada e checar se esta é compatível, além de buscar algumas limitações do paciente que necessitem de auxílio.
  • Pesquisa de nistagmo: consiste na avaliação do paciente com a cabeça em posição de repouso, pedindo para olhar em ponto fixo. Pode ser testado na posição neutra (espontâneo) ou olhando para os pontos cardinais (semiespontâneo). Se presente, deve ser avaliado se sugere alguma alteração periférica ou central. Nistagmos periféricos têm sempre sentido único, independentemente da posição, podendo mudar somente a sua velocidade a depender para que lado se está olhando, além de serem sempre horizontais. Já os centrais têm diversos comportamentos – os mais comuns são a presença de nistagmo vertical ou inversão da direção do nistagmo.
  • Teste do impulso cefálico: consiste na fixação do olhar do paciente para determinado ponto, seguido por uma movimentação rápida da cabeça pelo examinador no sentido horizontal. Quando o paciente realiza uma sacada (correção do olhar após o fim do movimento), considera-se o exame alterado. Normalmente a movimentação do olho nesse movimento ocorre simultaneamente à movimentação da cabeça.
  • Teste da correção visual do olhar (skew test): solicita-se ao paciente olhar em posição neutra para um ponto fixo. É realizada a oclusão alternada de cada olho, e observa-se se ocorre uma correção do olhar. Correções horizontais podem ocorrer em pacientes saudáveis, porém não é esperada uma correção vertical, caracterizando patologia central.
  • Avaliação do cerebelo: existem diversas maneiras de avaliar o cerebelo; para tal, podem ser realizados alguns testes simples, como avaliação da diadococinesia, índex-nariz e índex-índex.
  • Pesquisa de pares cranianos: considerando a proximidade do núcleo vestibular em tronco encefálico a núcleos de outros pares cranianos, é necessário realizar a avaliação de todos os pares adjacentes, pois o acometimento de mais de um par sugere alteração no nível do tronco encefálico.
  • Equilíbrios estático e dinâmico: o equilíbrio estático consiste na avaliação do paciente em posição ortostática e olhos ocluídos. Nessa posição ele pode ter uma queda para o lado de onde é considerada ter a perda periférica (pseudo-Romberg) ou para os outros lados (Romberg positivo). A avaliação dinâmica envolve a realização do teste de Untenberguer (paciente estender as mãos de olhos fechados e marchar sem sair do lugar), ocorrendo uma rotação em caso de perda periférica. É necessário observar a marcha do paciente, pois algumas patologias centrais geram alterações características (ebriosa, talonante, entre outras).
  • Pesquisa de nistagmo de posicionamento: envolve manobras como Dix Hallpike e head roll test. São manobras direcionadas para o diagnóstico de vertigem postural paroxística benigna (VPPB), como veremos adiante.

Principais diagnósticos

  • Um dos principais erros é considerar que a tontura tem somente uma causa, e em maiores de 65 anos é ainda mais comum observar diversos fatores causais, chegando a 51% dentro dessa faixa etária. As mais comuns são insuficiência vertebrobasilar (IVB) e alterações metabólicas (ambas 40%), seguidas pela presbiastasia (30%) e VPPB (14,5%). Outros diagnósticos secundários que podem contribuir indiretamente são a polifarmácia, quedas e alterações psíquicas (depressão e ansiedade), aumentando a morbidade.

Insuficiência vertebrobasilar

  • A circulação cefálica posterior (sistema vertebrobasilar) é a principal fonte de irrigação de todo o sistema labiríntico, auditivo e dos componentes centrais que realizam sua regulação (tronco encefálico e cerebelo). A IVB consiste em uma isquemia transitória desse sistema, gerando principalmente a tontura classificada com síncope ou pré-síncope, e em geral tem instalação progressiva e de longa data. Cada episódio geralmente é fugaz (alguns segundos a poucos minutos), acompanham escurecimento visual ou até mesmo perda da consciência, geralmente por alguma mudança brusca de posição (principalmente assumir a posição ortostática).
  • Vale ressaltar que em grande parte não existe um fator obstrutivo evidente que provoque a IVB; em geral ela decorre do aumento da resistência vascular periférica, inicialmente em pequenos vasos e evoluindo para os maiores.
  • A IVB tem como diferencial a hipotensão postural, na qual ocorre uma queda da pressão maior de 20 mmHg da sistólica e 10 mmHg da diastólica quando o paciente assume posição ortostática, podendo gerar quedas, e comumente também é referida como tontura.

Alterações metabólicas

  • Em geral ocorrem em pacientes com sensação de lightheadness. Sua temporalidade geralmente é de longa data e progressiva, pode ter duração de longos períodos e até mesmo ser contínua.
  • Em grande parte, decorre do metabolismo de lípides (até 40% nos pacientes com esse sintoma). Outras possíveis causas são alterações de tireoide (10%) e glicose (7,6%).

Presbiastasia

  • Assim como diversos sistemas de nosso corpo perdem função ou têm dificuldade de manter o pleno funcionamento no envelhecimento, com o sistema vestibular não é diferente. A presbiastasia (ou síndrome do desequilíbrio do idoso) corresponde a uma dificuldade de manter o pleno funcionamento do sistema vestibular e, em geral, não somente a um ponto funcional específico, mas sim uma dificuldade global em manter o equilíbrio, necessariamente com rebaixamento da função labiríntica.
  • Labirintos, visão, propriocepção, reflexos cervicais e toda a integração via sistema nervoso central apresentam um declínio de sua função, tendo como consequência uma inabilidade postural e de marcha, que por vezes pode gerar prejuízo funcional e facilitar a ocorrência de quedas.
  • Como consequência, o idoso pode entrar em isolamento, reduzindo o estímulo de que precisaria para melhorar e agravando o quadro, podendo evoluir com complicações como depressão, perda de autoestima e solidão, com prejuízo devastador à sua qualidade de vida.

Vertigem postural paroxística benigna

  • Decorre do desprendimento de otólitos da mácula utricular do labirinto e consequente deslocamento destes para os canais semicirculares (onde não deveria haver essas estruturas). Com isso, ocorre uma mudança na densidade da endolinfa desse canal afetado, e, como consequência, isso pode gerar um estímulo inapropriado, a depender do canal e movimento específico da cabeça, provocando vertigem fugaz.
  • Dentre os fatores de risco, estão diabete descontrolada, microangiopatia e distúrbios do metabolismo de cálcio, devendo ser investigados e corrigidos se necessário.
  • No quadro agudo de crise, segundo diretriz da American Academy of Otolaryngology, recomendam-se manobras de reposicionamento desde que o profissional tenha o conhecimento da interpretação dos testes posicionais (manobras de Dix Hallpike e head roll test), para determinar a manobra específica a ser realizada, evitando complicações. Somente 30% dos casos têm retorno espontâneo em até 2 semanas.

Causas centrais de tontura

  • Sempre que ao exame físico se identificarem possíveis alterações centrais, é recomendada a investigação. Dentre as causas temos doenças cerebrovasculares (acidente vascular cerebral ou isquêmico transitório), tumores, doenças neurodegenerativas e síndromes funcionais de mais difícil diagnóstico (cerebelopatias, lesões pontinas).

Exames complementares

  • Exames laboratoriais: recomendados para todo paciente idoso com tontura, não somente para os que têm tonturas de origem metabólica, pois eventualmente a descompensação de outras doenças vestibulares ocorre por desbalanço bioquímico. Dentre os principais, vale a pena citar análise do metabolismo da glicose, lípides, hemoglobina, tireoide, função renal e balanço hidroeletrolítico. A vitamina B12 é comumente baixa na população idosa, podendo provocar neuropatias. Ressaltem-se também o estudo do metabolismo do cálcio e doenças infecciosas, principalmente sífilis e HIV.
  • Audiometria e imitanciometria: a perda auditiva pode causar isolamento social, depressão e antecipar a manifestação de demência, além de gerar prejuízo na localização espacial pela acuidade auditiva bilateral. Em idosos, é muito comum encontrarmos perdas auditivas dos mais diversos tipos, que podem influenciar negativamente o equilíbrio corporal.
  • Exames de função labiríntica: quando ocorre a suspeita de baixo funcionamento dos labirintos, eles podem ser testados por meio de testes como prova calórica (irrigação do ouvido com conteúdo quente e frio, provocando estímulo em canais laterais) ou pelo teste do impulso cefálico por vídeo (análise computadorizada do reflexo vestíbulo-ocular de cada canal labiríntico). Cada exame tem sua aplicabilidade, a depender do tipo de doença e do momento em que ela se encontra, sendo complementares na maior parte dos casos. Auxiliam no diagnóstico topográfico.
  • Registro de nistagmo e oculomotricidade: pode ser realizado por meio de eletronistagmografia ou videonistagmografia (este último, mais sensível). Avalia possíveis lesões funcionais que alteram o funcionamento dos movimentos oculares e a presença de nistagmo, a qual pode ser explorada por meio de diversas situações (posicionais, estímulo vibratório, hiperventilação, manobras de Valsalva etc.).
  • Ressonância magnética: pode ser direcionada para crânio ou ouvidos, a depender da hipótese diagnóstica. Sempre é necessária na suspeita de vestibulopatias centrais, para descartar a presença de insultos isquêmicos ou tumores.
  • Doppler transcraniano: exame padrão-ouro para detecção de IVB, no que diz respeito a alteração do índice de pulsatilidade da artéria basilar.
  • Posturografia: avaliação estática e dinâmica da postura do paciente em diversas situações, envolvendo ou não a supressão da visão. Auxilia na reabilitação do equilíbrio.

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Tratamento

Tratamento medicamentoso

  • Em linhas gerais, grande parte das medicações utilizadas para controle de tontura provoca uma sedação do sistema vestibular. Por tal motivo, devem ser utilizadas perante situações específicas e evitadas em casos como a presbiastasia, onde já há um comprometimento da função e o uso dessas drogas pode provocar uma piora ainda maior.
  • Dentre as drogas sedativas temos os anti-histamínicos H1 (dimenidrinato, meclizina), agonistas GABA (benzodiazepínicos) e bloqueadores de canais de cálcio (flunarizina, vertizina). Uma atenção especial deve ser dada aos bloqueadores de canal de cálcio, pois, quando utilizados de forma abusiva, podem gerar parkinsonismo e depressão medicamentosa.
  • Outra linha de tratamento são as drogas compensatórias, como antisserotoninérgicos 5-HT3 (ondansetrona) e anti-histamínicos H3 com histaminérgico H1 (betaistina). Em teoria, facilitam a compensação vestibular atuando no sistema nervoso central, porém na prática os estudos mostram eficácia controversa. Um cuidado em relação à betaistina é que em altas doses e tempo prolongado pode descompensar crises de broncoespasmo e úlceras pépticas.
  • Drogas com ação anti-inflamatória, como corticoides, são ótimos para crises agudas de episódios inflamatórios (neurite, migrânea vestibular, doença de Ménière), porém estes são diagnósticos poucos usuais no idoso, por isso não foram citados neste capítulo. Deve-se evitar sempre o uso repetido e prolongado de corticoides, pelo efeito hormonal gerado.

Tratamento não medicamentoso

  • Indicado para todos os pacientes com tontura, independentemente da causa. Recomenda-se para o paciente o controle de comorbidades e mudanças de hábitos:
    • Evitar o jejum prolongado.
    • Evitar abuso de xantinas.
    • Evitar abuso de açúcares.
    • Prática de atividades físicas.
    • Regularização do sono.
    • Avaliação oftalmológica quando necessário.
    • Fisioterapia motora quando necessário.
    • Controle de polifarmácia (betabloqueadores, diuréticos, vestibulotóxicos).
    • Tratamento de depressão e ansiedade.
  • Em casos específicos, principalmente causas periféricas e unilaterais, é recomendada a reabilitação vestibular (ou labiríntica), a qual consiste em uma série de exercícios para uma determinada perda de função ou dela globalmente, em geral feita por profissional fonoaudiólogo ou fisioterapeuta habilitados. Ressalte-se que as manobras de reposicionamento para VPPB não está englobada nessa terapia, uma vez que necessita de diagnóstico prévio sobre o tipo e canal correspondente.
  • Sempre antes de iniciar a reabilitação vestibular, é recomendado o controle de alterações metabólicas, pois estando estas descompensadas o resultado é menos efetivo.

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Referências

  1. Bhattacharyya N, Gubbels SP, Schwartz SR, Edlow JA, El-Kashlan H, Fife T, et al. Clinical Practice Guideline: Benign Paroxysmal Positional Vertigo (Update). Otolaryngol Head Neck Surg. 2017;156(3_suppl):S1-S47.
  2. Bittar R, Oiticica J, Bottino MA, Ganança FF, Dimitrov R. Population epidemiological study on the prevalence of dizziness in the city of São Paulo. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79(6):688-98.
  3. Bittar RS, Pedalini MEB, Lorenzi MC, Formigoni LG. Treating vertigo with vestibular rehabilitation: results in 155 patients. Rev Laryngol Otol Rhinol (Bord). 2002;123(1):61-5.
  4. Ford AH, Hankey GJ, Yeap BB, Golledge J, Flicker L, Almeida OP. Hearing loss and the risk of dementia in later life. Maturitas. 2018;112:1-11.
  5. Santos MA, Bittar RSM. Vertigo and metabolic disorders. Int Tinnitus J. 2012;17(1):16-20.
  6. Simoceli L, Bittar RSM, Bottino MA, Bento RF. Diagnostic approach of balance in the elderly: preliminary results. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003.

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