Dor Torácica na Emergência: Abordagem Inicial

Autores: Julio Flávio Meirelles Marchini e Rodrigo Antonio Brandão Neto

Introdução:

A dor torácica é um dos maiores desafios para o emergencista e uma das mais importantes causas de procura ao departamento de emergência (DE), com 8 milhões de atendimentos ao ano e entre 5 e 10% das consultas no DE, com 50 a 70% dos pacientes necessitando permanecer em unidades de dor torácica. Na maioria das vezes a dor torácica está associada a condições de baixo risco, mas em um conjunto de pacientes o diagnóstico será de alto risco. Justamente nesse mesmo conjunto de pacientes existem medidas que podemos tomar para reduzir de forma importante a morbimortalidade, o que faz com que a identificação rápida desses pacientes seja fundamental. 

Considerando apenas a síndrome coronariana aguda (SCA), ocorrem falhas diagnósticas em até 4% dos casos nos Estados Unidos. A mortalidade precoce dessa coorte chega a 25% e, quando sobrevivem, apresentam mais sequelas do que aqueles que não tiveram falha diagnóstica.

A dor torácica aguda é definida como início recente de dor, pressão ou aperto no tórax anterior entre o apêndice xifoide, a incisura supraesternal e ambas as linhas axilares médias. Os pacientes em avaliação de dor torácica no DE apresentam um espectro de sinais e sintomas que refletem as muitas etiologias potenciais da dor torácica. Doenças do coração, aorta, pulmões, esôfago, estômago, mediastino, pleura e vísceras abdominais podem causar desconforto torácico.

 

Epidemiologia:

Segundo levantamento do DATASUS em 2020, doenças do aparelho circulatório foram a principal causa de morte, representando 23% dos óbitos. Foram registrados 357.741 óbitos por ano, sendo que entre as doenças do aparelho circulatório a principal causa registrada é a doença isquêmica, com 30,6% dos óbitos deste segmento. A partir dos 40 anos de idade, as doenças do aparelho circulatório são a terceira principal causa de morte por ano. Entre 11.480.028 internações realizadas em 2021 no SIH/SUS, 1.008.983 são por causas do aparelho circulatório. Estudos locais mostram que a dor torácica é uma das principais queixas de procura ao DE, representando de 4,7 a 6,2% dos atendimentos. 

 

Abordagem Inicial:

A dor torácica pode ser o sintoma cardinal de um paciente instável. Os pacientes devem ser atendidos na sala de emergência e monitorizados com a chamada abordagem MOV: 

 

Todos os pacientes com dor torácica com suspeita de SCA ou sem outra causa óbvia de dor torácica devem realizar eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações e esse ECG deve ser interpretado pelo médico no DE imediatamente após ser realizado. Pacientes com sinais vitais anormais, achados de ECG sugestivos de isquemia ou lesão cardíaca, história de doença arterial coronariana prévia, múltiplos fatores de risco para aterosclerose, ou qualquer dor torácica ou dispneia abrupta, nova ou grave, devem ser rapidamente alocados em um leito hospitalar ou em unidade de observação de dor torácica, colocados em monitorização cardíaca com acesso QUATRO, com o ECG idealmente obtido dentro de 10 minutos após a chegada do paciente no DE.

Devemos identificar e tratar as necessidades imediatas da vida, como suporte de vias aéreas, respiração e circulação. Devemos administrar oxigênio se a saturação ambiente for menor que 92%. Em seguida, nos concentramos na história, exame físico e achados laboratoriais associados com causas de dor torácica cardíaca (SCA) versus não cardíaca. Devemos obter uma história dirigida de sintomas, antecedentes médicos procurando características de dor torácica associadas a risco de morte, como SCA, dissecção aórtica, embolia pulmonar (EP), pneumonia grave e ruptura esofágica. Neste caso deve ser caracterizado o início da dor, tempo, gravidade, radiação e caráter da dor torácica, fatores atenuantes e agravantes e presença de sintomas associados, como sudorese, dispneia, náuseas, vômitos, palpitações e tonturas. 

O exame físico e o ultrassom à beira do leito ajudam no diagnóstico. No caso de identificação de pneumotórax hipertensivo e tamponamento cardíaco, estes devem ser prontamente tratados.

 Se houver uma suspeita razoável ou for identificada uma dissecção de aorta, os antiagregantes e anticoagulantes estão contraindicados. Nesse caso, o manejo clínico é feito por meio de controle da frequência cardíaca e da pressão arterial. Deve-se buscar a avaliação de cirurgia cardíaca ou vascular, dependendo do local da dissecção. 

No caso da síndrome coronariana aguda, devem ser feitos esforços para estabilização do paciente com o objetivo de levá-lo à intervenção coronariana. Deve-se buscar reunir evidências de que o quadro é isquêmico e sua instabilidade é decorrente da isquemia. A instabilidade hemodinâmica é indicação de cateterismo coronariano em até 2 horas, mesmo em infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST. A dúvida que a instabilidade seja secundária ao quadro isquêmico é contraindicação a cateterismo de urgência. 

Caso o paciente evolua para parada cardíaca, a melhor evidência disponível é o estudo TROICA de 2008, com 1.000 pacientes com parada cardíaca extra-hospitalar, que não demonstrou diferença em pacientes recebendo tenecteplase ou placebo no desfecho primário de sobrevida em 30 dias. O estudo TROICA tem limitação de que não era possível estabelecer com confiança que a causa da parada era isquêmica. 

No caso da embolia pulmonar, a recomendação é de se realizar a trombólise durante a parada cardíaca. O estudo observacional PEAPETT, com 23 pacientes em parada cardíaca, encontrou 20 pacientes vivos após mais ou menos 3 meses de seguimento. A dose recomendada é de 50 mg de alteplase, seguida de 60 a 90 minutos de massagem cardíaca antes de encerrar esforços. Outra possibilidade de instabilidade hemodinâmica é o choque cardiogênico associado à síndrome de Takotsubo. Em uma parte dos casos, o choque vem associado à obstrução de via de saída de VE.

A dor torácica é um sintoma de diferentes doenças que podem levar a um desfecho adverso grave em minutos, horas ou dias. A avaliação deve ser sequencialmente focada em cada um desses grupos de doenças, confirmando ou excluindo o diagnóstico. São passos nessa abordagem: 

Para as síndromes aórticas está recomendado o escore ADD-RS (detecção de dissecção de aorta) em associação ao ultrassom beira-leito e dímero-D. Em pacientes com escore negativo ou um ponto e que têm dímero-D negativo, o diagnóstico pode ser descartado com segurança. A taxa de falso-negativo é de 0,3%. Se síndrome aórtica for a principal suspeita, não se deve iniciar antiagregação ou anticoagulação.

A embolia pulmonar deve ser suspeitada e deve-se aplicar um dos vários escores de risco existentes, como Wells ou Geneva. Nos casos de baixo risco, a regra PERC permite ainda identificar pacientes que não precisam sequer de quantificação do dímero-D para descarte do diagnóstico. Na média e alta probabilidade da embolia pulmonar, a anticoagulação já está indicada (mesmo sem confirmação diagnóstica).

Os demais diagnósticos ameaçadores à vida são mais raros, mas devem ser aventados. A rotura esofágica tem incidência de 3 para 1.000.000 e nem sempre está associada a alcoolismo ou tem a presença de vômitos. A presença de enfisema e ar no mediastino pode ser o fator que ajuda no diagnóstico. 

A presença do ultrassom na sala de emergência pode contribuir com vários diagnósticos. Especificamente para tamponamento cardíaco, é fundamental. A clássica tríade de Beck, composta por hipotensão, turgência jugular e hipofonese de bulhas, está presente em apenas 10 a 40% dos casos. No entanto, a simples presença de derrame pericárdico não define o tamponamento, pois o que determina o tamponamento é a velocidade de acúmulo de derrame pericárdico. Se a velocidade for baixa o suficiente, grandes volumes podem se acumular sem qualquer interferência na hemodinâmica do paciente. Em paciente chocado, com turgência jugular, o tamponamento cardíaco clínico deve ser suspeitado. No ecocardiograma, se possível, pode-se estabelecer a presença de tamponamento ecocardiográfico quando há colabamento diastólico do átrio direito e em casos mais graves do ventrículo direito também. Deve-se proceder imediatamente com a punção de Marfan. 

Ultrassom, radiografia e exame físico (enfisema subcutâneo, ausculta pulmonar) podem sugerir a presença de pneumotórax. O pneumotórax espontâneo que se torna hipertensivo é raro. Em geral, o pneumotórax hipertensivo está associado a trauma ou em alguns casos a procedimentos como intubação orotraqueal ou cateterização venosa central. O quadro clínico é composto por taquicardia, hipotensão, enfisema subcutâneo, turgência jugular e hipóxia, evolução para choque e parada cardíaca. A conduta é a descompressão imediata com tubo e, se não estiver disponível, descompressão com agulha.

 

Referências:

Este texto se trata de uma reorganização e sumarização das principais ideias existentes no capítulo “Dor Torácica”, do livro Medicina de Emergência: Abordagem prática, escrito pelos doutores Rodrigo Brandão e Julio Flávio Marchini. Nenhuma informação foi alterada, o texto original sofreu poucas modificações estruturais. Para informações mais detalhadas e aprofundadas no tema, confira o livro completo.

 

Bibliografia:

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Conheça os autores:

Dr. Rodrigo Antônio Brandão Neto é Médico Supervisor da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da FMUSP. Doutorado pela Disciplina Emergências Clínicas da FMUSP. Coeditor do Livro “Medicina de Emergência – Abordagem Prática”, 11a. Ed., 2016, Editora Manole (anteriormente denominado “Emergências Clínicas – Abordagem Prática”). Coeditor do Livro “Sinais e Sintomas – Abordagem Prática”, 2a. Ed., 2016, Editora Manole (anteriormente denominado “Clínica Médica – Dos Sinais e Sintomas ao Diagnóstico e Tratamento”).

Dr. Julio F. M. Marchini é Supervisor suplente da residência de Medicina de Emergência do HCFMUSP e Médico plantonista do Serviço de Hemodinâmica do InCor-HCFMUSP. • Doutor em Ciências pela FMRP-USP e Pós-doutor pela Harva​rd Medical School. • Cardiologista Intervencionista formado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). • Residência em Clínica Médica e Cardiologia no Hospital das Clínicas da FMRP-USP.

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