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Esquizofrenia em adultos

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Medicina de Família e Comunidade
Esquizofrenia em adultos

A esquizofrenia é um transtorno com psicose crônica ou recorrente, alto impacto funcional e grande ônus econômico-social. Reconhecer precocemente os sinais, estruturar a avaliação diagnóstica e diferenciar de outros quadros psicóticos/mood é decisivo para o prognóstico e segurança do paciente.

 

Por que este tema importa na prática

A esquizofrenia cursa com psicose persistente e déficits em funcionamento social e ocupacional, figurando entre as doenças com maior contribuição para a carga global, segundo compilação frequentemente citada pela OMS. Trata-se de um transtorno crônico/recorrente com grande impacto funcional e econômico, reforçando a necessidade de abordagem precoce e contínua pela APS e pela psiquiatria.  

 

Quadro clínico: eixos para diferenciar e orientar conduta

  1. Sintomas positivos

Delírios (persecutórios, de referência, bizarros), alucinações sobretudo auditivas, desorganização do pensamento/linguagem e comportamento marcadamente desorganizado. Observe risco associado (agitação, impulsividade).

 

  1. Sintomas negativos

Avolição, anedonia, embotamento afetivo, alogia e redução da iniciativa. Esses domínios correlacionam-se com pior funcionamento e são preditores de desfechos a longo prazo. O UpToDate destaca ainda subtipos como “schizophrenia deficit”, com predominância negativa e pior curso. 

 

  1. Cognição e insight

   Déficits de atenção, memória de trabalho, velocidade de processamento e funções executivas são centrais e impactam adesão, autonomia e reabilitação psicossocial. Comprometimento de insight é frequente e deve ser rastreado sistematicamente.

 

Curso e riscos prioritários a monitorar

O curso é heterogêneo, com exacerbações e remissões parciais; muitos pacientes mantêm sintomas residuais e limitações funcionais, exigindo seguimento longitudinal e estratégias de manutenção. A literatura sintetizada pelo UpToDate enfatiza cuidado multidisciplinar e manejo ativo de não adesão, elementos críticos de qualquer plano terapêutico.   

 

Avaliação diagnóstica passo a passo

  • Anamnese ampliada de primeiro episódio: cronologia dos sintomas psicóticos, pródromos, uso de substâncias, sintomas de humor/ansiedade, história médica/neurológica, traumas, risco de auto/heteroagressão e rede de suporte.
  • Exame do estado mental com ênfase em conteúdo do pensamento, forma do pensamento, percepção, afeto, cognição e insight.
  • Triagem de comorbidades: depressão e ansiedade são frequentes e mudam manejo e prognóstico; UpToDate traz capítulos específicos para coocorrência, úteis para o plano terapêutico. 
  • Exames complementares conforme contexto clínico para descartar causas secundárias de psicose (uso de substâncias, condições metabólicas/endócrinas, neurológicas, autoimunes, infecciosas). Baseie-se na probabilidade pré-teste e em achados do exame físico/neurológico.
  • Avaliação de risco: suicídio, autoabandono, vulnerabilidade social e necessidades imediatas de proteção (ex.: internação por risco ou incapacidade grave).

 

Critérios diagnósticos

A confirmação baseia-se nos critérios do DSM-5-TR: presença de sintomas psicóticos característicos, duração mínima e prejuízo funcional, excluindo transtorno esquizoafetivo, transtornos do humor com características psicóticas, uso de substâncias e condições médicas. 

 

Diagnóstico diferencial que não pode faltar

  • Transtorno esquizoafetivo e transtornos do humor com sintomas psicóticos (temporalidade dos sintomas de humor vs psicose é determinante).
  • Psicose induzida por substâncias/medicações.
  • Transtornos do espectro autista com desorganização/ideias idiossincráticas.
  • Doenças neurológicas (epilepsia do lobo temporal, encefalites autoimunes), endocrinometabólicas e infecciosas.
  • Transtornos de personalidade com episódios psicóticos breves.

 

Primeiros passos após suspeita/diagnóstico

  • Encaminhe ou compartilhe o cuidado com psiquiatria sempre que possível, especialmente em primeiro episódio psicótico.
  • Comece plano multimodal: antipsicóticos, psicoeducação, intervenções psicossociais (treino de habilidades, reabilitação, suporte familiar), e gestão de comorbidades. A coordenação de cuidado e a mitigação da não adesão são pilares importantes.

 

Pontos de alerta para a APS

  • Risco de suicídio aumenta em fases iniciais, pós-alta e após interrupção de tratamento: rastreie ideação/planejamento e atue com plano de segurança.
  • Não adesão é comum e deve ser ativamente rastreada e manejada (estratégias de simplificação de esquema, LAI, envolvimento familiar, lembretes, pactos terapêuticos).  
  • Comorbidades clínicas (metabólicas, tabagismo, sedentarismo) são altamente prevalentes e contribuem para mortalidade precoce: integre rastreios e prevenção cardiovascular.

 

Para o médico de família, generalista e psiquiatra: descreva bem a linha do tempo, documente sintomas positivos/negativos/cognitivos, exclua causas secundárias e defina o grau de prejuízo funcional. Estruture o seguimento com metas de adesão e reabilitação + vigilância de risco. A abordagem organizada desde a APS reduz atrasos diagnósticos e melhora desfechos funcionais. 

 

Referência

Fischer BA, Buchanan RW. Schizophrenia in adults: Clinical features, assessment, and diagnosis. UpToDate. Literature review current through Oct 2025; last updated Mar 14, 2025. Acesso em 3 nov 2025. 

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