Voltar para o blog

Crescimento infantil na prática clínica

15 min de leitura
2.5k visualizações
Medicina de Família e Comunidade
Crescimento infantil na prática clínica

A avaliação seriada do crescimento é um “sinal vital” pediátrico: além de rastrear desnutrição e obesidade, a desaceleração do ritmo de crescimento detecta precocemente doenças crônicas (GI, renais, endócrinas) antes de outros achados clínicos. A altura/estatura-velocidade é o parâmetro mais sensível para anormalidades em curso.  

 

Por que medir crescimento em toda consulta

A avaliação seriada do crescimento funciona como um sinal vital pediátrico. A velocidade de estatura é particularmente sensível para detectar precocemente doenças crônicas; valores abaixo do esperado devem acender o alerta para déficits nutricionais ou baixa estatura de outras causas. Em crianças a partir de 2 anos, espera-se velocidade de crescimento de pelo menos 4 cm/ano, atingindo 5 a 10 cm/ano no pico puberal (meninos, em geral 6–12 cm/ano; meninas, 5–10 cm/ano) .

 

Como medir corretamente no consultório

  1. Ambiente e equipamento

  • Utilize superfície firme e plana, com esquadros perpendiculares. Fita métrica deve ser evitada porque pode diferir da prancha de comprimento em média cerca de 2,23 cm .
  • Lactentes menores de 2 anos: medir comprimento em decúbito com prancha/infantômetro (estadiômetro de comprimento). O posicionamento requer duas pessoas; joelhos estendidos, calcanhares contra a placa móvel, leitura com precisão de 0,1 cm   .
  • Crianças a partir de 2 anos: medir estatura em pé no estadiômetro de parede, seguindo técnica padronizada  .

 

  1. Situações especiais

  • Deformidades de coluna ou contraturas: monitorar crescimento linear por medidas segmentares como comprimento do braço e altura do joelho; há curvas padronizadas e uso de cáliper específico. Existem fórmulas validadas para estimar estatura a partir da altura do joelho (p. ex., Rumapea e Stevenson)    .

 

Como plotar e interpretar

  • De 0 a 2 anos, usar peso-por-comprimento como índice de adiposidade em vez de IMC. Percentil <5 sugere subnutrição e exige avaliação e seguimento. Em cenários com limitação de recursos, o peso-por-comprimento/estatura pode ser usado até 5 anos com curvas OMS e classificação por Z-score   .
  • De 2 a 20 anos, utilizar IMC-por-idade para definir categorias de peso, incluindo obesidade. Na obesidade grave, recorrer às curvas especiais acima do p97 ou às curvas estendidas do CDC para acompanhamento clínico   .
  • Definições úteis: baixa estatura costuma ser Z de estatura/idade <−2 (grave se <−3); estatura alta é >+2 DP (>p97)  .
  • Puberdade precoce ou tardia: as curvas CDC tradicionais podem superestimar o desvio. Prefira referências ajustadas por estágio puberal (TSA) ou calculadora específica para estimativa do status e potencial de crescimento  .

 

Velocidade de crescimento

  • Acompanhe a criança com medidas seriadas na mesma balança/estadiômetro, intervalo mínimo de 3–6 meses fora da puberdade e menor na puberdade.
  • Em ≥2 anos, atenção se velocidade <4 cm/ano; a maioria (>95%) cresce acima desse valor. Reavalie fatores nutricionais, doenças crônicas e causas endócrinas de baixa estatura quando houver queda sustentada de percentis ou velocidade reduzida .

 

Roteiro prático

  1. Medir certo (infantômetro/estadiômetro; evitar fita). Corrigir posicionamento e registrar até 0,1 cm  .
  2. Plotar na curva adequada ao grupo etário e contexto (peso-por-comprimento de 0–2; IMC de 2–20; OMS até 5 anos em cenários com desnutrição) .
  3. Checar velocidade de crescimento e cruzamentos de canais em consultas seriadas; investigar se <4 cm/ano após os 2 anos ou se houver queda mantida de percentis .
  4. Contextualizar estágio puberal; considerar curvas TSA quando puberdade é muito precoce/tardia para a idade cronológica .
  5. Usar medidas segmentares e fórmulas quando a estadiometria for inviável (ex.: paralisia cerebral, escoliose grave)  .

 

Sinais de alerta que justificam encaminhamento para especialista focal

  • Velocidade de crescimento <4 cm/ano em >2 anos ou queda persistente de canais percentílicos.
  • Z de estatura <−3 (baixa estatura grave) ou estatura >+2 DP com sinais sindrômicos ou puberdade anormal.
  • Peso-por-comprimento <p5 entre 0–2 anos (suspeita de subnutrição).
  • Obesidade a partir do p95 ou obesidade grave com comorbidades; utilizar curvas estendidas para monitorar   .

 

Cenários especiais que pedem atenção do médico

  • Populações com alta prevalência de desnutrição: foco em peso-por-comprimento/estatura e Z-score pela OMS até 5 anos, com fluxos de manejo de desnutrição aguda e crônica na rede local .
  • Crianças com puberdade muito precoce ou tardia: estimar crescimento atual e potencial em curvas TSA (ajustadas por estágio de Tanner) e, se necessário, discutir com endocrinologia pediátrica .

 

Como comunicar com as famílias na UBS

  • Use linguagem simples ao explicar a diferença entre “crescer pouco” e “estar abaixo do percentil”, reforçando a importância do acompanhamento seriado.
  • Mostre a curva e a velocidade para engajar adesão a intervenções nutricionais e de estilo de vida.

 

Referências

UpToDate. Measurement of growth in children. Acesso em 3 nov 2025. Evidências principais utilizadas: técnica de medida, escolhas de curvas, pontos de corte de velocidade, definições de baixa/alta estatura, curvas estendidas para obesidade e manejo em condições especiais      .

 

Confira os artigos relacionados de

Esquizofrenia em adultos Medicina de Família e Comunidade

Esquizofrenia em adultos

A esquizofrenia é um transtorno com psicose crônica ou recorrente, alto impacto funcional e grande ônus econômico-social. Reconhecer precocemente os…

12/11/2025
5 min de leitura