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Por que tratar apneia obstrutiva do sono?

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Medicina de Família e Comunidade
Por que tratar apneia obstrutiva do sono?

A AOS é caracterizada por apneias e hipopneias decorrentes do colabamento recorrente da via aérea superior durante o sono. As consequências vão muito além do ronco alto e da sonolência diurna: há piora de desempenho cognitivo e funcional, maior risco de acidentes, desregulação metabólica (incluindo resistência à insulina) e aumento do risco de doença cardiovascular, acidente vascular cerebral e mortalidade. Diretrizes da American Academy of Sleep Medicine (AASM), American Thoracic Society e American College of Physicians reforçam que identificar e tratar a AOS é componente importante de prevenção cardiovascular e de promoção de saúde em adultos.

Primeiros passos: educação, medidas gerais e abordagem global

Uma vez confirmado o diagnóstico e determinada a gravidade (habitualmente pelo índice de apneia-hipopneia), o primeiro passo é educar o paciente sobre a doença, seus riscos e as opções terapêuticas.

Medidas gerais recomendadas para todos os pacientes com AOS incluem:

  • Incentivo a atividade física regular, conforme tolerância.
  • Manutenção de esquema vacinal atualizado.
  • Cessação de tabagismo e de uso de cannabis (incluindo vaping).
  • Controle rigoroso de comorbidades associadas (hipertensão, DM2, IC, FA, obesidade etc.).
  • Medidas comportamentais específicas:
    • perda de peso para pacientes com sobrepeso/obesidade;
    • evitar álcool e sedativos à noite;
    • medidas posicionais para pacientes com apneia predominantemente em posição supina.

Esses componentes não substituem o tratamento específico, mas são pilares que potencializam o efeito das terapias e impactam desfechos globais.

Papel da perda de peso e da atividade física

  • Em pacientes com sobrepeso ou obesidade, a perda ponderal é recomendada de forma sistemática. Estratégias incluem modificações de estilo de vida, terapia nutricional, exercícios, farmacoterapia para obesidade e cirurgia bariátrica em casos selecionados.
  • Meta-análises demonstram que programas de exercícios (aeróbicos e de resistência) reduzem a gravidade da AOS, ainda que nem sempre levem a remissão completa.
  • No caso da cirurgia bariátrica, há melhora importante do índice de apneia-hipopneia e de sintomas, embora a remissão completa da AOS seja incomum; muitos pacientes seguem necessitando terapia específica.
  • Mesmo após perda de peso significativa, a necessidade de reavaliação por estudo do sono permanece, já que a melhora é variável e pode haver recidiva da apneia com reganho ponderal.

Pressão positiva em vias aéreas: terapia de primeira linha

Para a maioria dos adultos com AOS moderada ou grave (IAH ≥15 eventos/hora), as diretrizes recomendam a terapia com pressão positiva em vias aéreas (PAP), geralmente na forma de CPAP, como tratamento inicial de escolha.

Principais benefícios da PAP (quando aderida):

  • Redução de sonolência diurna e melhora da função cognitiva e da qualidade de vida.
  • Redução de eventos respiratórios noturnos e de dessaturações.
  • Impacto favorável em pressão arterial e em alguns desfechos cardiovasculares em populações selecionadas.

O grande desafio da prática clínica é a adesão. Acompanhamento próximo, educação sobre uso do equipamento, ajuste individualizado de máscara e pressão, além de monitoramento de dados do aparelho, são estratégias centrais para manter o paciente em tratamento.

Para pacientes que não toleram CPAP, alternativas incluem dispositivos de pressão autoajustável, modos bilevel e, em contextos específicos, ventilação adaptativa.

Alternativas ao CPAP

  • Aparelhos orais (de avanço mandibular): indicado sobretudo em AOS leve a moderada ou em pacientes que recusam ou não toleram CPAP. Esses dispositivos avançam a mandíbula, aumentam o espaço da via aérea e reduzem o colabamento faríngeo. Ensaios clínicos mostram redução do IAH e melhora de sintomas, embora, em geral, o CPAP produza maior redução de eventos respiratórios.
  • Terapia posicional: estratégia útil em pacientes com apneia predominantemente em decúbito dorsal. Inclui dispositivos que desencorajam o sono em supino e tecnologias vestíveis. Costuma ser adjuvante, mas pode ser suficiente em quadros leves.
  • Cirurgia de via aérea superior: procedimentos como uvulopalatofaringoplastia, cirurgias nasais, avanço maxilomandibular e, em casos selecionados, traqueostomia podem ser considerados quando há anatomia favorável, falha ou recusa das demais terapias. A evidência mostra melhora de sintomas e de parâmetros polissonográficos em subgrupos específicos, mas a seleção do candidato é crucial.
  • Estimulação do nervo hipoglosso: modalidade mais recente, indicada para pacientes com AOS moderada a grave, que não toleram CPAP, com critérios anatômicos específicos. Os estudos mostram melhora importante de IAH e de sintomas, mas trata-se de tecnologia ainda de alto custo e acesso limitado.

Terapias farmacológicas: onde estamos?

Até o momento, nenhum fármaco aprovado para obesidade demonstrou, de forma consistente, melhora clinicamente robusta da AOS a ponto de substituir o CPAP ou as demais terapias de primeira linha.

Além disso, estudos recentes com agonistas de receptores de GLP-1/GIP, como a tirzepatida, mostram redução da gravidade da AOS em indivíduos com obesidade, principalmente mediada pela perda de peso. Ainda assim, esses dados apontam para papel coadjuvante, dentro de uma estratégia global de manejo da obesidade e da AOS, e não como substitutos da PAP.

Combinações de fármacos que atuam em tônus de via aérea (como agentes noradrenérgicos e antimuscarínicos) estão em investigação, com resultados promissores em estudos iniciais, mas ainda sem indicação para prática clínica rotineira.

O papel do médico não especialista em sono

Embora o manejo avançado possa exigir suporte do especialista em medicina do sono, o clínico geral e o médico de família têm papel central em:

  • suspeitar de AOS em pacientes com ronco, pausas respiratórias presenciadas, sonolência diurna, hipertensão resistente, fibrilação atrial, acidente vascular cerebral, diabetes de difícil controle ou obesidade central;
  • solicitar e interpretar os exames básicos (quando disponíveis em fluxos locais, como polissonografia ou estudos do sono domiciliares);
  • discutir opções terapêuticas e alinhar expectativas com o paciente;
  • reforçar medidas gerais (perda de peso, atividade física, controle de comorbidades);
  • acompanhar adesão ao CPAP e manejar efeitos adversos iniciais;
  • articular encaminhamentos para especialista em sono, odontologia do sono ou cirurgia, quando necessário.

Na prática, o cuidado compartilhado com protocolos claros entre atenção primária, especialistas em sono, cardiologia, endocrinologia e cirurgia tende a melhorar a identificação precoce e a adesão a longo prazo.

A apneia obstrutiva do sono é uma condição frequente, subdiagnosticada e com impacto sistêmico relevante. O manejo eficaz combina mudanças de estilo de vida, controle de comorbidades, terapias baseadas em CPAP e, em casos selecionados, aparelhos orais, intervenções posicionais, cirurgias e terapias farmacológicas adjuvantes.

Para o médico que atua no dia a dia na clínica, incorporar a AOS à abordagem global do paciente adulto, especialmente aquele com obesidade, sintomas de sonolência e risco cardiovascular, é uma oportunidade concreta de modificar trajetórias de adoecimento e melhorar qualidade de vida.

 

Referências

  1. Epstein LJ, Kristo D, Strollo PJ Jr, et al. Clinical guideline for the evaluation, management and long-term care of obstructive sleep apnea in adults. J Clin Sleep Med. 2009;5(3):263–276.
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  3. Patil SP, Ayappa IA, Caples SM, et al. Treatment of adult obstructive sleep apnea with positive airway pressure: An American Academy of Sleep Medicine systematic review, meta-analysis, and GRADE assessment. J Clin Sleep Med. 2019;15(2):301–334.
  4. Lin CF, Ho NH, Hsu WL, et al. Effects of aerobic exercise and resistance training on obstructive sleep apnea: A systematic review and meta-analysis. J Clin Sleep Med. 2024;20:1839–1850.
  5. Wong AM, Barnes HN, Joosten SA, et al. The effect of surgical weight loss on obstructive sleep apnoea: A systematic review and meta-analysis. Sleep Med Rev. 2018;42:85–94.
  6. Malhotra A, Grunstein RR, Fietze I, et al. Tirzepatide for the treatment of obstructive sleep apnea and obesity. N Engl J Med. 2024;391:1193–1204.


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