Por Adriano Meyer-Pflug
Equipe multidisciplinar
● A cirurgia bariátrica envolve uma equipe interdisciplinar composta, obrigatoriamente, por:
○ Endocrinologista.
○ Cirurgião bariátrico.
○ Nutricionista ou nutrólogo.
○ Psicólogo.
○ Cardiologista.
● Outros profissionais podem atuar de maneira integrada ao cuidado do paciente bariátrico, principalmente se houver comorbidades específicas relacionadas:
○ Pneumologista.
○ Fisioterapeuta.
○ Ortopedista.
○ Psiquiatra.
○ Pneumologista.
○ Profissional de educação física.
○ Endoscopista.
○ Anestesista.
○ Enfermeira.
○ Assistente social.
● Os procedimentos bariátricos devem ser realizados em centros devidamente qualificados, com equipamentos adequados e por cirurgiões especializados em bariátrica.
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Indicação da cirurgia bariátrica
- O paciente deve compreender todos os aspectos do tratamento e assumir o compromisso com o segmento pós-operatório, que deve ser mantido por tempo a ser determinado pela equipe. Deve haver compromisso consciente do paciente em participar de todas as etapas da programação, com avaliação pré-operatória (psicológica, nutricional, clínica, cardiológica, endocrinológica, pulmonar, cirúrgica e anestésica).
- Pacientes entre 16 e 65 anos de idade, seguindo um destes critérios:
- Indivíduos que apresentem índice de massa corpórea (IMC) ≥ 50 kg/m2.
- Pacientes com IMC ≥ 40-50 kg/m2. Deve-se relatar o insucesso no tratamento clínico longitudinal realizado por no mínimo 2 anos, seguindo protocolos clínicos.
- IMC ≥ 35-40 kg/m2 associado a ao menos duas comorbidades que devam melhorar com a redução de peso. Deve-se relatar o insucesso no tratamento clínico longitudinal realizado por no mínimo 2 anos, seguindo protocolos clínicos.
- Pacientes com IMC ≥ 30-35 kg/m2 com diabetes mellitus tipo 2 com controle refratário apesar do tratamento clínico ideal. A idade mínima é de 30 anos, e a máxima de 70 anos; o diagnóstico definido de diabetes tipo 2, inferior a 10 anos. Devem apresentar refração comprovada ao tratamento clínico e não ter contraindicações para o procedimento cirúrgico proposto. A cirurgia de escolha deve ser a derivação gastrojejunal em Y de Roux (DGJYR). No Brasil, esse critério não é reconhecido pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), pois não está dentro da DUT 27 (Diretriz de Utilização que rege a cirurgia bariátrica no país).
- Pacientes entre 16 e 18 anos de idade:
- O escore-z deve ser maior do que +4 na análise do IMC por idade, porém o tratamento cirúrgico não deve ser feito antes da consolidação das epífises de crescimento. A análise deve ser realizada por equipe multiprofissional, com a participação de dois médicos especialistas na área.
- Pacientes acima de 65 anos de idade:
- Avaliação individualizada por equipe multiprofissional, considerando a avaliação criteriosa do risco cirúrgico, a presença de comorbidades, a expectativa de vida e os benefícios do emagrecimento. A análise deve ser realizada também pelo geriatra.
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Contraindicação de cirurgia bariátrica
- Limitação intelectual significativa em pacientes sem suporte familiar adequado.
- Quadro de transtorno psiquiátrico não controlado, incluindo uso de álcool ou drogas ilícitas; no entanto, quadros psiquiátricos graves controlados não são contraindicações obrigatórias à cirurgia.
- Doença cardiopulmonar grave e descompensada que influenciem a relação risco-benefício.
- Hipertensão portal, com varizes esofagogástricas; doenças imunológicas ou inflamatórias do trato digestivo superior que venham a predispor o indivíduo a sangramento digestivo ou outras condições de risco.
- Síndrome de Cushing decorrente de hiperplasia na suprarrenal não tratada e tumores endócrinos.
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Lista de comorbidades
- Diabetes tipo 2 ou resistência insulínica.
- Apneia do sono.
- Hipertensão arterial.
- Dislipidemia, hipertrigliceridemia ou síndrome metabólica.
- Cardiopatia (insuficiência coronariana, infarto do miocárdio, angina, insuficiência cardíaca congestiva, fibrilação atrial, cardiomiopatia dilatada).
- Acidente vascular cerebral.
- Síndrome de hipoventilação pulmonar associada à obesidade, cor pulmonale, asma grave não controlada.
- Artrites ou artroses, sequela de lesão ortopédica, hérnia de disco.
- Amputação de membro inferior, paraplegia, hemiplegia, sequela de paralisia cerebral, infantil ou de acidente vascular cerebral.
- Refluxo gastroesofágico.
- Hérnia abdominal.
- Colecistopatia calculosa ou pancreatites agudas de repetição.
- Esteatose hepática.
- Incontinência urinária de esforço na mulher.
- Infertilidade masculina ou feminina.
- Disfunção erétil.
- Síndrome dos ovários policísticos.
- Veias varicosas nos membros inferiores.
- Doença hemorroidária.
- Hipertensão intracraniana idiopática.
- Estigmatização social, depressão ou transtorno do humor.
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Opções técnicas
- Não derivativas (restritivas): banda gástrica laparoscópica ajustável e gastrectomia vertical (sleeve), balão intragástrico (método endoscópico).
- Derivativas (disabsortivas): gastroplastia em Y de Roux (bypass gástrico); derivação biliopancreática: duodenal switch.
- A derivação jejunoileal está proscrita em vista da alta incidência de complicações metabólicas e nutricionais em longo prazo.
- Os procedimentos devem ser feitos preferencialmente pela via laparoscópica, para reduzir complicações pós-operatórias.
- Devido às complicações de intrusão ou estenose, as bandas gástricas estão praticamente abolidas na prática médica.
- O duodenal switch é reservado para super obesos, devido maior componente disabsortivo.
- O balão intragástrico não é reconhecido pela ANS, por não estar incluído na DUT 27. A perda de peso costuma ser inferior a 10% do peso total, sendo reservada para pacientes com alto risco operatório ou obesidade grau 1.
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Pré-operatório
- Deve ser feita uma avaliação clínica multidisciplinar; nutricionista, psicólogo, cardiologista, endocrinologista e fisioterapeuta. Conforme as comorbidades, uma avaliação com pneumologista, psiquiatra ou ortopedista pode ser necessária.
- Tabagistas devem suspender o uso por entre 8 e 12 semanas previamente à cirurgia, para reduzir complicações pulmonares.
- Anticoncepcionais devem ser suspensos com ao menos 1 mês previamente à cirurgia, para reduzir risco tromboembólico. Orientar manter método físico anticontraceptivo.
- A utilização do termo de consentimento informado no pré-operatório de cirurgias bariátricas é obrigatória.
- Não há evidência sobre erradicação pré-operatória de rotina de H. pylori, salvo nos casos de desvio gástrico como bypass, para evitar úlcera marginal.
- Recomenda-se perda de peso, no período pré-operatório, com alvo entre 5% e 10% do peso total. Pode-se utilizar dieta líquida ou com redução de carboidratos, iniciando-se entre 2 e 4 semanas antes da cirurgia.
Exames pré-operatórios
- Tipagem sanguínea.
- Eletrólitos.
- Ureia, creatinina.
- Ácido úrico.
- Glicemia de jejum.
- Colesterol total, LDL, HDL, triglicérides.
- Análise da função hepática.
- Perfil do ferro.
- Ácido fólico.
- Vitamina B12.
- Vitamina D3.
- TSH, T4L, T3, T4.
- Urina 1.
- Teste ergométrico.
- Radiografia de tórax.
- Endoscopia digestiva alta.
- Espirometria (na presença de quadros respiratórios).
- Ultrassonografia com Doppler venoso de membros inferiores (na suspeita de risco de tromboembolismo).
- Ultrassonografia abdominal.
- Sorologia para hepatites virais e HIV.
- Dosagem de cortisol na saliva ou teste de supressão de cortisol em pacientes com síndrome metabólica, alteração da glicemia e outros estigmas sugestivos de hipercortisolismo.
- Βeta-HCG em mulheres com idade fértil.
- Questionário STOP-BANG ou polissonografia em caso de suspeita de apneia do sono.
- Bioimpedância.
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Conduta perioperatória
- O CPAP (continuous positive airway pressure) pré-operatório é recomendado a pacientes com síndrome de apneia intensa.
- A profilaxia antitrombótica medicamentosa é recomendada, entretanto não há consenso sobre a dose ou tempo de tratamento.
- A profilaxia antiembólica com passagem de filtro de veia cava inferior não é recomendada.
- Recomenda-se o uso de meia elástica durante o perioperatório, deambulação precoce e meias pneumáticas durante o intercurso cirúrgico.
- O protocolo ERAS (enhanced recovery after surgery) é capaz de reduzir o tempo de internação, mas não mostra diferença em taxa de complicações pós-operatórias.
- A anestesia multimodal com redução de uso de opioides é capaz de reduzir o tempo de recuperação anestésica, por meio de melhor controle álgico.
- Controle glicêmico objetivando glicemia < 180 mg/dL.
- Monitorização em unidade de terapia intensiva por 48 horas nos pacientes com estratificação de risco elevada na análise cardiológica.
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Cuidado pós-operatório
- Consultas ambulatoriais, orientações nutricionais e exames laboratoriais para detectar precocemente alterações metabólicas e nutricionais.
- A frequência do acompanhamento deve ser individualizada e baseada no tipo de cirurgia e nas comorbidades do paciente.
- A profilaxia de hipovitaminose com uso oral de multivitamínicos é recomendada de rotina no pós-operatório, além do monitoramento laboratorial periódico.
- Os polivitamínicos diários devem conter ferro, cálcio, vitamina D, zinco, ácido fólico e complexo B em sua fórmula, e em quantidade adequada.
- Um profissional habilitado deve prescrever o programa nutricional pós-operatório.
- Os líquidos devem ser consumidos lentamente e em volume satisfatório para manter a hidratação adequada (suficiente para diurese translúcida).
- A dieta oral líquida fracionada pode ser iniciada 24 horas após o procedimento cirúrgico, inclusive cafeína é liberada e estimulada (melhora esvaziamento gástrico), assim como goma de mascar.
- O paciente deve realizar pequenas refeições balanceadas, diversas vezes ao dia, sem a ingestão simultânea de líquidos. Recomenda-se a suplementação de proteína (whey protein isolado), em torno de 60 g/dia.
- O seguimento psicológico e nutricional pós-operatório é recomendado, pois pacientes que adotam hábitos e comportamentos mais saudáveis de alimentação e controle de peso após a cirurgia apresentam maior perda de peso.
- A profilaxia de colelitíase pós-operatória com ácido ursodesoxicólico não é recomendada, devido a efeitos colaterais hematológicos, custo e posologia (a cada 4 horas).
- A profilaxia de úlcera marginal com inibidores da bomba de prótons é recomendada por cerca de 6 meses pós-operatórios.
- Recomenda-se evitar gravidez na fase de maior perda de peso pós-operatória, para reduzir a taxa de complicação neonatal, usando preferencialmente um método de barreira ou dispositivo intrauterino (DIU) no primeiro ano pós-operatório.
Principais complicações pós-operatórias
- Precoces:
- Tromboembolismo pulmonar.
- Deiscência da sutura: fístula.
- Infecções (pulmonares, urinárias e de sítio cirúrgico).
- Hemorragia (hemoperitônio ou enterorragia).
- Trombose portal.
- Desidratação.
- Tardias:
- Nas disabsortivas: hérnia interna, obstrução intestinal, desnutrição proteica.
- Anemia, hipovitaminoses, osteoporose.
- Distúrbios hidroeletrolíticos.
- Na banda gástrica: erosão, intrusão, migração, estenose.
Exames pós-operatórios de rotina ambulatorial
- PTH, cálcio total, fósforo, vitamina D.
- Densitometria óssea a cada 2 anos.
- Perfil de ferro.
- Ácido fólico.
- Vitaminas B1 e B12.
- Glicemia de jejum, hemoglobina glicada.
- Ultrassom de abdome.
- Urina tipo 1.
Cirurgia revisional
- Ainda não há critério de indicação para cirurgia revisional, sendo a decisão tomada caso a caso.
- A avaliação pré-operatória da cirurgia revisional deve ser mais rigorosa que a primeira abordagem, pois não só o risco cirúrgico é maior, como o benefício operatório é menor em relação ao primeiro procedimento.
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Prescrição na prática
- Exemplo prescrição (cada caso deve ser avaliado individualmente e a decisão deve ser tomada pelo médico responsável pelo caso).
Prescrição pós-operatória de gastroplastia por vídeo
- Dieta líquida fracionada, cerca de 180 mL/h, sem açúcar ou lactose, após 24 horas da cirurgia. Ex.: água, água de coco, sucos, chás, caldos, isotônicos, gelatina diet, café. Recomendado manter por 2 semanas.
- Soro de manutenção. Ex.: soro glicofisiológico 1.000 mL IV a cada 12 horas por 24 horas.
- Ex.: dipirona 1g IV a cada 6 horas, tramadol 50 mg em SF 100 mL VI a cada 6 horas lento.
- Enoxaparina 60 mg SC 1x/dia; iniciar 6 horas após a cirurgia. Recomendado manter entre 1 a 3 semanas de pós-operatório.
- Decúbito elevado, deambulação de hora em hora, manter meias elásticas.
- Fisioterapia motora e respiratória 2 x/dia.
- Pantoprazol 40 mg IV 1 x/dia.
- Antieméticos. Ex.: ondansetrona 8 mg IV a cada 8 horas, metoclopramida 10 mg IV a cada 8 horas, dexametasona 8 mg IV a cada 12 horas.
- Simeticona 40 gotas a cada 6 horas.
- Medicamentos de uso habitual, como anti-hipertensivos. Obs.: macerá-los ou triturá-los antes da administração por via oral.
- Controle de glicemia capilar, caso haja diabetes.
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Referências
- Associação Brasileira para o Estudo de Obesidade e Síndrome Metabólica. Diretrizes Brasileiras de Obesidade 2016. 4th ed. São Paulo: ABESO; 2016.
- Ministério da Saúde. Portaria nº 62, de 6 de janeiro de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, DF; 2017.
- Ministério da Saúde. Portaria nº 425, de 19 de março de 2013. Diário Oficial da União, Brasília, DF; 2013.
- Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.132, de 12 de novembro de 2015. Altera o artigo 23 da Resolução CFM nº 2.110/2014, publicada no Diário Oficial da União de 19 de novembro de 2014, Seção I, p. 199. Diário Oficial da União, Brasília, DF; 2016.
- Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.172, de 22 de novembro de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, DF; 2017.
- Consenso Brasileiro Multissocietário em Cirurgia da Obesidade. VIII Congresso de Cirurgia Bariátrica e Metabólica. Salvador, BA; 2006.
- Di Lorenzo N, Antoniou SA, Batterham RL, Busetto L, Godoroja D, Iossa A, et al. Clinical practice guidelines of the European Association for Endoscopic Surgery (EAES) on bariatric surgery: update 2020 endorsed by IFSO-EC, EASO and ESPCOP. Surg Endosc. 2020;34(6):2332-58.
- Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Parecer técnico nº 12/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021. 2021, p. 1-3.
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