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Síndrome Gripal no Pronto-Socorro Pediátrico: Diagnóstico e tratamento

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Pediatria
Síndrome Gripal no Pronto-Socorro Pediátrico: Diagnóstico e tratamento
Autora: Rayra Maia Alvarez  

Quando pensar em síndrome gripal?

  • Diante de um paciente com quadro respiratório, é importante avaliar a presença de sintomas definidores de síndrome gripal, de acordo com a idade.
  • Definição:
    • Menores de 2 anos: febre de início súbito (mesmo que referida) e sintomas respiratórios (tosse, coriza e obstrução nasal), na ausência de outro diagnóstico específico.
    • Acima de 2 anos de idade: febre de início súbito (mesmo que referida), acompanhada de tosse ou dor de garganta, e pelo menos um dos seguintes sintomas: cefaleia, mialgia, artralgia, na ausência de outro diagnóstico específico.
  • Além dos sintomas definidores, outros sinais e sintomas podem estar presentes:
    • Mal-estar.
    • Sintomas oculares: fotofobia, conjuntivite, lacrimejamento, dor à movimentação ocular.
    • Sintomas gastrointestinais (10-30% das crianças).
    • Congestão ocular.
    • Rouquidão.
    • Hiperemia de mucosas e rubor facial.
    • Linfonodos palpáveis em cadeia cervical.
  • A infecção viral potencialmente exacerba doenças de base, como asma, fibrose cística e doença pulmonar obstrutiva crônica. Além disso, em crianças, pode se apresentar como um quadro de febre sem sinais de localização, crupe, bronquiolite e broncoespasmo.
  • O exame físico é variável, a depender da porção do trato respiratório acometido, da gravidade do quadro, da idade do paciente, da presença de comorbidades, entre outros fatores.
 

Diagnóstico:

  • O diagnóstico clínico de influenza baseado em sinais e sintomas é dificultado pela similaridade com outras infecções virais respiratórias.
  • A realização dos testes laboratoriais para detecção do vírus influenza em pacientes ambulatoriais ou em serviços de emergência varia com o período de sazonalidade.
  • Existem diferentes tipos de teste disponíveis para o diagnóstico, que variam com o método, tempo de processamento, sensibilidade e custo. Todos os fatores devem ser considerados para a melhor decisão clínica.
  • As amostras devem ser idealmente colhidas nas primeiras 72 horas de sintomas.
  • O resultado negativo de um teste rápido antigênico não exclui a infecção pelo vírus, portanto não deve impedir o início do tratamento antiviral empírico quando houver indicação clínica.
  • De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o diagnóstico molecular (PCR multiplex, GeneXpert para vírus influenzas A e B) é atualmente o método de escolha para detecção do vírus.
 

Tratamento:

 

Síndrome respiratória aguda grave

  • Diante de um paciente com sintomas gripais, o primeiro passo é avaliar a presença de sinais de gravidade:
    • Saturação < 95% em ar ambiente.
    • Sinais de desconforto respiratório ou aumento da frequência respiratória avaliada de acordo com a idade.
    • Piora das condições clínicas de base.
    • Hipotensão ou
    • Quadro de insuficiência respiratória aguda, durante período sazonal.
  • Em crianças: observar batimentos de asa de nariz, cianose, tiragem intercostal, desidratação, inapetência.
  • De acordo com o “Protocolo de tratamento de Influenza” do Ministério da Saúde, 2017, a presença dos sinais listados anteriormente em um paciente com quadro de síndrome gripal caracteriza o quadro de síndrome respiratória aguda grave (SRAG). O manejo desses pacientes está resumido a seguir.
  • Manejo dos pacientes com SRAG:
    • Avaliação clínica minuciosa: iniciar terapia de suporte imediatamente, de acordo com a gravidade do caso – hidratação endovenosa, oxigenoterapia; reavaliações clínicas frequentes.
    • Monitorização de sinais vitais: pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura axilar, oximetria de pulso.
    • Tratamento imediato com oseltamivir após a suspeita clínica independentemente da coleta de exame laboratorial; se possível, coletar amostras de secreções respiratórias antes do início do tratamento.
    • Antibioticoterapia deve ser iniciada para todos os pacientes com diagnóstico clínico de SRAG.
    • Internação hospitalar: definir em um prazo de 4 horas a necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
  • As seguintes condições indicam internação em UTI, de acordo com o Ministério da Saúde:
    • Disfunção de órgãos vitais.
    • Insuficiência respiratória ou
    • Instabilidade hemodinâmica.
  • Coleta de exames complementares:
    • Alanina aminotransferase (TGP-ALT).
    • Aspartato aminotransferase (TGO-AST).
    • Creatinofosfoquinase (CPK).
    • Lactato desidrogenase (DHL).
    • Demais exames de acordo com a avaliação clínica.
    • Realização de exames radiográficos.
    • As alterações radiográficas são variáveis: infiltrado intersticial localizado ou difuso ou presença de área de condensação.
  • Um estudo com pacientes pediátricos admitidos em UTI por SRAG por influenza identificou as seguintes características associadas a mau prognóstico:
    • Idade avançada (média de 3 anos de idade).
    • Nível de saturação de oxigênio < 90% à admissão, com necessidade de fração de oxigênio no ar inspirado (FiO2) > 60%.
    • Encefalopatia associada à influenza.
    • Choque séptico.
    • Aumento do nível de alanina aminotransferase (TGP-ALT) > 100 UI/L.
    • Aumento do nível de aspartato aminotransferase (TGO-AST) > 100 UI/L.
    • Aumento do nível de lactato desidrogenase (DHL) > 500 UI/L.
 

Condições e fatores de risco para complicações:

  • Descartados os sinais de gravidade na avaliação inicial do paciente, é importante identificar, por meio de anamnese e exame físico, a presença de condições e fatores de risco que estão associados a complicações.
  • Condições e fatores de risco para complicações:
    • Idade inferior a 5 anos.
    • O maior risco de hospitalização é em menores de 2 anos, especialmente os menores de 6 meses com a maior taxa de mortalidade.
    • Doenças respiratórias crônicas (incluindo asma).
    • Pacientes com tuberculose.
    • Doenças cardiovasculares.
    • Imunodeficiências.
    • Doenças renais crônicas.
    • Doenças hematológicas (incluindo anemia falciforme).
    • Doenças metabólicas (incluindo diabete melito).
    • Transtornos neurológicos e do desenvolvimento (disfunção cognitiva, lesão medular, epilepsia, paralisia cerebral, síndrome de Down, acidente vascular encefálico ou doenças neuromusculares).
    • Gravidez e puerpério.
    • Indivíduos menores de 19 anos em uso prolongado de ácido acetilsalicílico (risco de síndrome de Reye).
 

Síndrome gripal em pacientes com condições e fatores de risco para complicações

  • Está indicado o uso de fosfato de oseltamivir para todos os casos de síndrome gripal que tenham condições e fatores de risco para complicações, independentemente da situação vacinal, mesmo em atendimento ambulatorial.
  • Para esse grupo específico, quando feito o diagnóstico de SRAG, o uso de antiviral apresenta benefícios, mesmo se iniciado até 5 dias do início dos sintomas.
  • A reavaliação clínica desses pacientes em um serviço de saúde é mandatória. Nesse momento, devem ser revistos os critérios de SRAG e outros sinais de agravamento.
  • Sinais de agravamento na criança:
    • Persistência ou retorno da febre: a curva térmica tende a declinar após 2 ou 3 dias, normalizando em torno do sexto dia de evolução.
    • Taquipneia com aumento do esforço respiratório (batimento de asa nasal, tiragem intercostal, supra/subesternal, supraclavicular, subcostal, contração da musculatura acessória da respiração e movimento paradoxal do abdome).
    • Bradipneia e ritmo respiratório irregular (colapso respiratório iminente).
    • Gemidos expiratórios (colapso alveolar e de pequenas vias aéreas ocasionado pelo fechamento da glote na expiração na tentativa de aumento da capacidade residual funcional pulmonar).
    • Estridor inspiratório (obstrução de vias aéreas superiores).
    • Sibilos e aumento do tempo expiratório (obstrução de vias aéreas inferiores).
    • Palidez cutânea e hipoxemia (SatO2 < 95%).
    • Alteração do nível de consciência (irritabilidade ou apatia).
 

Síndrome gripal em pacientes sem condições e sem fatores de risco para complicações

  • Os pacientes e/ou cuidadores devem ser orientados sobre os sinais de agravamento, os quais indicam retorno imediato ao serviço.
  • Devem ser prescritos sintomáticos e hidratação.
  • A prescrição de oseltamivir deve ser considerada baseada no julgamento clínico, preferencialmente nas primeiras 48 horas após o início da doença.
 

Tratamento com antiviral

  • Os antivirais, quando utilizados em fases precoces da doença, estão associados a redução da duração dos sintomas, da ocorrência de complicações e hospitalizações, além da redução da mortalidade entre as populações de maior risco.
  • Inibidores da neuraminidase: essa classe de medicamento é considerada o tratamento padrão, por ser ativa contra todos os subtipos de vírus influenza e pelo perfil de segurança. No Brasil, a medicação de escolha é o oseltamivir. A indicação de zanamivir só está autorizada em casos de intolerância gastrointestinal grave, alergia e resistência ao oseltamivir.
  • Fosfato de oseltamivir:
  • Em uma revisão sistemática com metanálise publicada em 2018 por Malosh et al., apesar da heterogeneidade dos estudos com a população pediátrica, de maneira geral, com uso de oseltamivir, houve redução dos sintomas em torno de 18 horas e redução do risco de otite média aguda em 34%. Em relação aos eventos adversos associados à medicação, a presença de vômitos no grupo tratado foi o único sintoma com risco relativo significativamente maior.
 

Complicações

  • Podem ser decorrentes do próprio vírus, de infecções bacterianas secundárias e, raramente, de eventos adversos decorrentes de medicamentos como antitérmicos ou antibióticos de uso impróprio.
  • A infecção pelo vírus facilita a adesão das bactérias por alterações do epitélio respiratório.
  • Quadros bacterianos secundários devem ser considerados quando há piora dos sintomas por volta do 5º dia do início do quadro ou persistência dos sintomas por mais de 10 dias.
  • As complicações associadas à gripe estão listadas a seguir:
    • Otite média aguda (OMA): pode ocorrer em cerca de 20% das crianças e adolescentes. Nos menores de 3 anos de idade, a frequência de OMA pode chegar a 39% dos pacientes.
    • Rinossinusite aguda: acomete cerca de 3,5% das crianças, adolescentes e adultos jovens.
    • Laringotraqueítes.
    • Faringotonsilites: causadas pelo Streptococcus pyogenes.
    • Pneumonia bacteriana ou pneumonia primária por influenza.
    • Desidratação.
    • Miocardite, encefalite, polirradiculoneurite (síndrome de Guillain-Barré), miosite, rabdomiólise.
    • Resposta inflamatória sistêmica, com potencial de evolução para sepse e falência múltipla de órgãos.
    • Exacerbação de doenças crônicas como asma ou diabete.
 

Prescrição na prática

  • Exemplo de prescrição (cada caso deve ser avaliado individualmente e a decisão deve ser tomada pelo médico responsável pelo caso).
  • Menino, 7 anos, asmático, em uso regular de corticoterapia inalatória profilática, foi trazido ao pronto-socorro com quadro de febre de até 39 ºC há um dia, associada a tosse seca, dor de garganta e cefaleia. A mãe refere que o paciente teve contato com tia com quadro semelhante, há alguns dias. Não recebeu vacinas no último ano.
  • Ao exame físico, encontra-se hipoativo, afebril, com obstrução nasal importante. A propedêutica pulmonar evidencia murmúrios vesiculares presentes bilateralmente sem ruídos adventícios; frequência respiratória de 23 irpm, sem sinais de desconforto respiratório, saturação de oxigênio de 96% em ar ambiente. Otoscopia com membrana timpânica translúcida bilateralmente, sem abaulamentos e orofaringe com discreta hiperemia, sem exsudato. Pulsos amplos e simétricos, boa perfusão periférica. Restante do exame físico sem alterações.
  • Hipótese diagnóstica: síndrome gripal.
  • Considerações: o paciente preenche critérios para síndrome gripal em crianças acima de 2 anos (febre de início súbito, associado a tosse e/ou dor de garganta, além de cefaleia). Encontra-se no grupo com fatores de risco para complicações devido ao quadro de pneumopatia crônica (asma), sem sinais de síndrome respiratória grave na primeira avaliação. De acordo com as recomendações do Ministério da Saúde, preenche critérios para receber o tratamento com antiviral. Neste caso clínico considerar a realização de teste rápido para Streptococcus beta-hemolítico do tipo A, devido a possibilidade de sobreposição de sintomatologias.
  • Prescrição:
    • Nome do paciente, 7 anos, 25 kg.
    • Uso oral:
      • Fosfato de oseltamivir cápsula 30 mg: 20 cápsulas. Ingerir duas cápsulas a cada 12 horas, por 5 dias. Observação: caso o paciente não consiga deglutir a cápsula, é possível cortá-la na parte superior com uma tesoura, transferir o conteúdo para uma colher e adicionar uma pequena quantidade (1 colher de chá) de mel (apenas para crianças com 2 anos de idade ou mais) ou iogurte, a fim de mascarar o sabor do medicamento. Misturar bem.
      • Dipirona gotas 500 mg/mL: 1 frasco. Tomar 25 gotas, até a cada 6 horas, se dor ou febre (dose de 15 mg/kg/dose).
    • Retorno ao serviço para reavaliação em 48 horas, e retorno imediato, se:
      • Sinais de cansaço para respirar.
      • Sonolência.
      • Alterações do comportamento.
      • Dificuldade para ingerir líquidos ou recusa de alimentos.
      • Diminuição da urina em relação ao padrão da criança.
      • Persistência da febre ou piora do quadro depois do quinto dia de sintomas.
 

Referências

Alvarez RM. Síndrome gripal no pronto-socorro pediátrico: diagnóstico e tratamento. InforMed, 2022. Disponível em: https://app.informed.digital/conteudo/61154f7a64922f7f2b491159.   Abreu TF, Cunha DC, Lago MJ, Sztajnbok DCN, Guimarães PC. Sinusite, otite e amidalite. Infectologia pediátrica. Barueri: Manole; 2020.   Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de tratamento de Influenza: 2017. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018.   Malosh RE, Martin ET, Heikkinen T, Brooks WA, Whitley RJ, Monto AS. Efficacy and Safety of Oseltamivir in Children: Systematic Review and Individual Patient Data Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. Clin Infect Dis. 2018;66(10):1492-500.   Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamentos Científicos de Imunizações, Infectologia, Alergia, Otorrinolaringologia e Pneumologia. Atualização no Tratamento e Prevenção da Infecção pelo vírus Influenza - 2020. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2020.   Uyeki TM, Bernstein HH, Bradley JS, Englund JA, File TM, Fry AM, et al. Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America: 2018 Update on Diagnosis, Treatment, Chemoprophylaxis, and Institutional Outbreak Management of Seasonal Influenzaa. Clin Infect Dis. 2019;68(6):e1-e47.  

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